Gosto quando entardece na cidade grande e os silêncios começam a ser permitidos.
Chamo-lhe silêncios, mas eles só existem dentro de mim porque nas ruas largas o passo apressado de quem corre para casa vai definhando à medida que a cidade se ilumina de outras cores.
Antes era o sol pintado sobre aquele céu que a cidade grande tem, regando de raios quentes as ruelas… se o casario apertado os deixa entrar. São as janelas abertas a agradecer aquela luz e os braços deitados de fora em jeitos de quem faz do estendal uma obra de arte que a roupa quer-se estendida a preceito.
São as portas abertas a cheirar a fado, ao fado de quem lá mora e não cala as desavenças ou os seus amores de tantos dias vividos. São as ruas estreitas e as conversas que as atravessam a cheirar os vasos floridos que teimam em emprestar graça às paredes envelhecidas pelo tempo.
Mas a cidade grande tem ritmos próprios e diferentes se o passeio se faz pelas colinas ou pelas artérias largas onde ninguém se conhece; o ritmo de quem lá mora, o de quem acabou de chegar e ziguezagueia sem rumo, o de quem está prestes a largar jurando deixar saudades daquele coração cheio de luz.
Depois quando o Sol se esconde no rio as luzes acendem-se e nasce outra vida naquela cidade; são outras as cores, outras semânticas, outros risos, outros amores, são outros os sons que correm pelas calçadas, as mesmas calçadas.
O passo torna-se vagaroso que a noite existe para embalar os sonhos e estes pedem o tempo que o dia lhes rouba.
Fecham-se as janelas aos olhares alheios … mas eu sei de uma que teima em continuar a respirar para a rua, apesar do cortinado transparente e envelhecido, apesar da lua que teima em adormecer ali dentro…