Era sempre em Setembro quando os meses de férias se eternizavam até à abertura do novo ano lectivo. E lá estava a turma reunida, sempre os mesmos na alegria dos reencontros.
Vínhamos todos de longe que naquela altura as viagens faziam-se com a demora que as curvas da estrada exigiam. E depois eram as paragens nas fontes da serra a aliviar a sede e o calor que aqueles dias ainda traziam. Eram uns Setembros quentes a incendiar as matas, os pinheiros como tochas a iluminar as noites.
Chegávamos avulso, sem dias marcados que o objectivo era estar para as festas e ter ainda tempo para ajudar a fazer os metros dos rufos coloridos que iriam enfeitar o local da romaria.
Chegar àquela terra era uma odisseia porque as malas são sempre um estorvo para o espaço que nos era destinado. E jamais caberiam não fora a paciência hábil do meu pai que se encarregava de fazer caber o impensável.
Chegar à placa que anunciava o destino era o contentamento geral; já se sentia o cheiro daquela terra que as terras ficam sempre com um cheiro colado ao nome.
Depois era a pressa de chegar a casa e a inevitável pergunta “os primos já cá estão?” e logo que dada a devida autorização correr para a estrada.
A estrada era o local de encontro, o centro daquela terra onde não havia “o largo”. Naquela terra havia “o lugar” e “a estrada”, era assim a “geografia” de uma aldeia onde só mais tarde se deu nome às ruas, o nome da gente importante!
Eram dias demorados e felizes a inventar passeios quase sempre com a estrada por perto até avistar a casa “da bruxa” e o passo se nos tolhia pela curiosidade daquela casa cheia de mistérios insondáveis.
Eram dias quentes, vagarosos até ao dia em que se acordava com o estampido dos foguetes e as gaitas de foles a percorrer a aldeia. Depois o ritmo era outro. O centro da vida mudava-se para o adro da Igreja agora cheio dos enfeites coloridos saídos das mãos das laboriosas senhoras. Era a quermesse, o fogo-de-artifício, os ranchos folclóricos, os artistas contratados, as fogaças leiloadas a preceito, o homem do estica-larica…
Mas eram os primos que um dia ganharam a liberdade de sair da mesa dos pais para se reunirem numa outra … só sua!
Era o tempo de crescer, ser quase adulto, vaidosos dessa nova condição.
Depois as festas foram rareando assim como os nossos encontros. Os primos haviam-se dispersado, tínhamos deixado de ser aquele bando feliz.
Feliz voltou a ser o reencontro tantos anos volvidos como se o tempo se tivesse encurtado para desfazer aquele hiato nas nossas vidas e voltarmos às lembranças, aos risos, aos abraços …
Foi ali. Naquele sítio e no fundo daquela escadaria está guardada a memória de um deles …
Os outros que ali não estão moram cá dentro de mim.