Quase todas as semanas ouvimos ou lemos conselhos e sugestões a propósito da construção de um relacionamento feliz. A existência de tantas publicações sobre o assunto mostra bem a importância que as relações amorosas têm na nossa vida, no nosso bem-estar. Mas o que é que a ciência nos diz? Quais são, de facto, os “ingredientes” para que uma relação dê certo?
Se tentarmos seguir à risca todas as recomendações que são partilhadas por especialistas da área, pelos nossos familiares e amigos mais experientes e pela literatura existente, o mais provável é que nos sintamos baralhados. Olhamos para um lado e há alguém a quem reconhecemos experiência e credibilidade que nos diz que é importante que sejamos absolutamente honestos com o(a) nosso(a) companheiro(a) porque só assim teremos uma relação íntima e segura; olhamos para o outro e há alguém que detém o título de especialista em terapia de casal e terapia sexual que nos aconselha a manter o mistério e a individualidade em nome da vivacidade da relação. Em que ficamos? Entregamo-nos por completo e partilhamos todas as nossas vulnerabilidades ou guardamos algumas coisas para nós? Falamos abertamente sobre tudo o que sentimos ou isso pode comprometer o erotismo e o desejo? Investimos numa relação de maneira a que a base de tudo seja uma profunda amizade ou rejeitamos qualquer hipótese de olhar para a pessoa por quem apaixonamos como o(a) nosso(a) melhor amigo?
Quais são as bases de uma relação amorosa?
A maior parte das pessoas que conheço desconhece que há psicólogos que se dedicam exclusivamente a estudar o amor e as relações amorosas. Uma coisa é sabermos que há profissionais de saúde que estão habituados a ajudar casais em crise; outra, bem diferente, é sabermos que há décadas de estudos científicos que fundamentam a forma como essa ajuda é dada. Um dos maiores estudiosos desta área é o Professor John Gottman, que acompanhou milhares de casais ao longo de várias décadas, monitorizando os seus comportamentos, as respostas fisiológicas em momentos de tensão e cruzando estes dados com a satisfação demonstrada pelos membros do casal. Depois de mais de quarenta anos de estudo, a sua equipa foi capaz de prever, com um grau de precisão de mais de 90 por cento, se um casal se divorciaria ou não nos anos seguintes – apenas a partir da forma como discutia. Impressionante, não é? Parece futurologia, mas é pura ciência.
Uma das conclusões de todos estes anos de investigação diz-nos que os casais mais felizes e com maior probabilidade de continuarem juntos partilham um denominador comum: uma profunda amizade. Mas o que é que isto quer dizer?
Isso significa, sobretudo, que as pessoas mais felizes no casamento estão ativa e constantemente sintonizadas com os sentimentos do(a) companheiro(a), isto é, elas prestam a devida atenção quando a pessoa de quem gostam faz um apelo e procuram responder às suas necessidades. Não o fazem apenas em relação às grandes matérias. Fazem-no regularmente em relação às pequenas coisas. Eis um exemplo simples:
De manhã, a mulher partilha com o marido:
«Hoje acordei ansiosa. Tive um sonho meio estranho…»
O marido, apressado para o trabalho, responde:
«Que chatice… Estou atrasado para o trabalho e tenho reunião com o meu chefe, mas ligo-te à hora de almoço para falarmos um bocadinho sobre isso», despedindo-se da mulher com um beijo e uma festinha no queixo.
Depois da reunião, liga e pergunta:
«Já te sentes melhor? Qual foi o tal sonho que te deixou nervosa?».
Este é um exemplo daquilo a que eu chamo de responder com atenção e afeto aos apelos da pessoa que amamos, ainda que o apoio não tenha surgido imediatamente. Se o marido tivesse simplesmente respondido «Agora não tenho tempo. Estou atrasado», a mulher poderia sentir-se ignorada, desamparada. Pelo contrário, quando o marido opta por valorizar o apelo da mulher, oferecendo o seu interesse e a sua atenção, fá-la sentir que é importante para ele. Essa é a base de uma relação segura: precisamos de sentir, de forma muito consistente, que a pessoa que está ao nosso lado se importa com os nossos sentimentos, presta atenção. Nalguns casos, isso vai implicar que coloque perguntas que demonstrem interesse genuíno. Noutras situações, implicará que mostre a sua empatia, o seu apoio, que nos dê colo em vez de nos julgar. E noutros momentos implicará que vibre connosco a propósito de um sonho ou de uma vitória qualquer.
Os casais felizes também discutem?
Uma das questões que mais frequentemente são exploradas pela imprensa a propósito das regras para um bom relacionamento é a comunicação. De uma maneira geral, encontramos muitas sugestões bem-intencionadas e com algum fundamento, mas raramente nos deparamos com informação rigorosa sobre as discussões conjugais. O que é que a ciência nos diz? É saudável discutir? Devemos dizer tudo o que pensamos/ sentimos? O que é que não devemos mesmo fazer?
Sim, os casais felizes também discutem – e ainda bem porque isso faz parte de uma relação íntima. Aquilo que a ciência nos mostra é que há hábitos que protegem as relações amorosas e há escolhas que são autênticos venenos.
Quando falamos de discussões, é possível identificar os 4 cavaleiros do apocalipse, isto é, os 4 hábitos mais arriscados para qualquer relação:
- Hipercrítica. Há uma diferença muito significativa entre dizer «Não te esqueças de baixar a tampa da sanita» e dizer «Vê lá se consegues portar-te como uma pessoa normal e baixar a porcaria da tampa da sanita». No segundo exemplo, o apelo é feito com hipercrítica, atacando a personalidade do companheiro. Eu compreendo que às vezes nos sintamos cansados de repetir os pedidos, que possamos sentir que a pessoa que está ao nosso lado tem desvalorizado as chamadas de atenção feitas de forma doce ou serena e que interiorizemos que as coisas só se resolvam assim. O problema é que qualquer generalização, qualquer ataque vai produzir o efeito contrário àquele que desejamos.
- Postura defensiva. Se o marido disser «Disseste que ias buscar a roupa à lavandaria e esqueceste-te de o fazer», a mulher pode responder «Tens razão. Queres que vá lá agora?» em vez de se defender com algo do género «E então? Tu também te esqueces imensas vezes de fazer aquilo que eu te peço!». Quando alguém nos chama a atenção para algo que fizemos (ou que não fizemos), é normal que nos sintamos colocados em causa e é tentador defendermo-nos. Mas nem sempre está em causa uma crítica à nossa personalidade. Nem todas as chamadas de atenção são um ataque de que tenhamos de nos defender.
Quando conseguimos olhar para a pessoa de quem gostamos como alguém que também tem o direito de nos criticar e, sobretudo, quando assumimos uma postura de curiosidade, querendo genuinamente perceber o que é que está por detrás do apelo, do que é que a outra pessoa precisa, é mais fácil dizer «Tens razão» ou colocar perguntas que nos aproximem. A postura defensiva potencia o aumento da escalada de agressividade.
- Amuos/ Tratamento do silêncio. Há muitas pessoas que se queixam de falar «para o boneco». Porque, enquanto falam, o companheiro sai de cena. Ou sai literalmente, deixando-as a falar sozinhas, ou fica a ouvir em silêncio, olhando para o telemóvel ou para outra coisa qualquer. A atenção não está lá e a pessoa que está a falar sente-se ignorada. Quando um dos membros do casal ignora o outro, a segurança e o amparo deixam de estar associados àquela relação.
- Desprezo. Já reparou que basta um gesto para reduzir a pessoa que está ao nosso lado a praticamente nada? A maior parte das pessoas não têm essa consciência, mas há um comportamento que é porventura o sinal mais claro de alarme numa relação: revirar os olhos. Porquê? Porque traduz desprezo pela pessoa que está ao nosso lado, por aquilo que ela está a dizer. Há outras formas – às vezes mais difíceis de identificar – de mostrar desprezo pelo companheiro. Sempre que o fazemos, a pessoa que está ao nosso lado sentir-se-á profundamente rejeitada e, a prazo, isso pode ter consequências fatais para a relação.
Todas as pessoas já tiveram alguns destes comportamentos. E mesmo nas relações felizes é possível que eles ocorram. Aquilo que é desejável é que tenhamos maior consciência dos perigos que estão associados a cada um destes venenos e que assumamos a intenção de não os repetir. Cada um de nós tem o direito de errar, mas é mais provável que façamos as escolhas que protejam a nossa relação e que, depois de errarmos, mais rapidamente façamos alguma coisa para emendar na medida em que haja conhecimento e vontade de fazer o melhor.
O que diferencia uma relação amorosa de outras relações afetivas?
Quando olhamos para um casal que esteja junto há pouco tempo, o que é que observamos? Provavelmente, já todos reparámos no mesmo: não se largam! Para além de estarem permanentemente a falar da pessoa de quem gostam, quando estão juntos tocam-se constantemente, mesmo que esses gestos não tenham nada de sexual. Esse é o efeito da paixão: o nosso cérebro muda, pelo menos durante algum tempo, forçando-nos a pensar na pessoa de quem gostamos e desviando muitas vezes a atenção de outros assuntos importantes. Esta “fixação” temporária faz com que façamos muitas escolhas para agradar à pessoa que amamos e que vão desde passar por uma pastelaria e trazer o seu bolo preferido ou desmarcar uma reunião “só” para a acompanhar na realização de um exame até andarmos de mão dada, tocarmo-nos várias vezes por dia ou mostrarmos o nosso desejo das mais diversas formas.
À medida que o tempo passa e que a ativação fisiológica provocada pela paixão dá tréguas (deixando que tenhamos cabeça para trabalhar e para cumprir com outras responsabilidades), vamos criando rotinas que contribuem para a nossa segurança e que nos ajudam a projetar um futuro a dois. Mas já todos ouvimos falar do lado mais negativo das rotinas. Quando olhamos para alguns casais que conhecemos, damo-nos conta de que houve um esmorecimento e às vezes é difícil perceber o que aconteceu. Há pessoas que se dão bem, que percebemos que funcionam otimamente enquanto equipa – na educação dos filhos, da gestão do dinheiro ou no equilíbrio entre as responsabilidades familiares e os períodos de lazer -, mas que perderam a vivacidade que gostamos de associar às relações amorosas.
Numa relação duradoura, para que ambos continuem a sentir-se felizes não basta que haja segurança, confiança mútua ou que a comunicação flua. Na verdade, há necessidades que cada um de nós tem e que às vezes parecem o oposto de tudo isto.
Quando converso com pessoas que viveram uma relação extraconjugal, ouço-as dizer muitas vezes «Senti-me vivo(a)». Muitas vezes, estas pessoas não estavam à procura de nada e até foram apanhadas desprevenidas pelo seu próprio comportamento. Sentiam-se estáveis nas suas relações, embora provavelmente não estivessem a prestar a devida atenção à necessidade de continuarem a sentir-se estimuladas pela novidade, pelo mistério e pela imprevisibilidade.
Quando olhamos para o início de uma relação, é fácil perceber que o nosso desejo é diretamente proporcional ao facto de aquela pessoa não ser “nossa”. Nada está garantido, tudo está por explorar. À medida que celebramos anos de relacionamento, é importante que invistamos tanto na consolidação de hábitos que nos ajudem a construir uma relação baseada na revelação mútua, na capacidade de nos vulnerabilizarmos e na confiança, como na promoção da nossa individualidade e daquilo que nos ajude a trazer “novidades” para a relação.
A inteligência erótica implica que reconheçamos a importância do desejo numa relação. Não me refiro ao número de relações sexuais que um casal tem por semana, mas à importância de cada um continuar a olhar para o outro como alguém que não é verdadeiramente seu, que é capaz de continuar a dar voz aos próprios interesses e alimentar outras relações afetivas.
O sexo é o elemento que diferencia as relações amorosas das outras relações afetivas, mas, na prática, vai muito além do ato sexual. Tem a ver com criatividade, mistério, imaginação. Com a vontade de promover uma distância de segurança que permita que reconheçamos que, tal como no início, temos ao nosso lado alguém que é interessante e que não está garantido. Mas também tem a ver com as escolhas que cada um de nós pode fazer para ligar ou desligar o próprio desejo. Tem a ver com a nossa capacidade individual de perceber que quando fazemos as escolhas que nos dão poder e prazer fora da relação, é mais provável que nos sintamos vivos e excitados dentro da relação, ainda que seja mais fácil atribuir a diminuição do nosso desejo àquilo que a pessoa que está ao nosso lado (não) faz.
Como ser feliz no amor?
Às vezes pode parecer que as relações são muito complicadas ou que a felicidade a dois é um bem que só toca a meia dúzia de privilegiados, mas a verdade é que qualquer um de nós pode ser feliz no amor. Na prática, essa felicidade dá mais trabalho do que possa parecer e envolve a nossa capacidade de nos mantermos atentos e curiosos – em relação a nós e à pessoa que está ao nosso lado.