O problema das medicações para dormir
Muitas vezes chegam-me pacientes ao consultório que têm dificuldade em dormir há anos. Estão medicados por longos períodos com fármacos tranquilizantes, sedativos muito potentes e que têm múltiplas complicações. Entre elas, provocam dependência (à medida que o tempo passa, são necessárias doses superiores para fazer o mesmo efeito, e a descontinuação do fármaco provoca sintomas físicos e psíquicos graves).
Outra das consequências ainda mais grave destes fármacos é provocarem alterações a nível cognitivo (podem gradualmente reduzir a memória, a capacidade de cálculo, etc), havendo alguns estudos que associam mesmo a toma prolongada destes fármacos ao surgimento do Alzheimer (um tipo de demência muito grave, em que as pessoas perdem a memória e outras funções mentais rapidamente, até ficarem dependentes de terceiros).
Felizmente quando é necessário, hoje em dia, temos medicações muito bem toleradas, eficazes e que não se associam a estes efeitos secundários. Os psiquiatras conhecem bem estas medicações e podem prescrevê-las, caso seja necessário. Podem ser dadas nos casos de doentes que não conseguem dormir persistentemente após outras tentativas, nomeadamente não farmacológicas.
O que fazer quando não se consegue dormir?
Existem várias medidas não farmacológicas que os pacientes devem experimentar antes de recorrer aos fármacos. A prática de exercício físico durante o dia é uma das recomendações que devemos fazer aos nossos pacientes com insónias. Este exercício não deve ser feito à noite, pouco tempo antes de dormir, porque neste caso os doentes ficam muito activados e depois têm dificuldades em adormecer.
Evitar estimulantes após a hora de almoço é também uma recomendação essencial. Muitos pacientes que chegam ao consultório com dificuldades em dormir, muitas vezes já estão a tomar medicamentos para adormecer, mas tomam 3-4 cafés por dia, inclusive depois de jantar… Além do café, outros alimentos estimulantes como o chá preto, ou verde, o chocolate, etc, devem ser evitados ao fim do dia. Atenção que o café “descafeinado” tem ainda um pouco de cafeína e também deve ser evitado à noite. Obviamente que a primeira recomendação a fazer nestes casos é eliminar estes estimulantes após a hora de almoço.
O ambiente antes de ir dormir também é muito importante:
- Não ver filmes ou séries muito ativadoras, impressionantes e emocionantes;
- Privilegiar ambientes com pouca luz;
- Ler um livro (como parte de um ritual tranquilizante);
- Beber uma infusão calmante (como tília, cidreira ou camomila).
Quando o “não consigo dormir” é provocado pela ansiedade ou pela depressão…
Um dos aspectos fundamentais para nós, psiquiatras, perante um paciente que não consegue dormir é avaliar se existe uma causa psicológica por trás desta insónia. Em grande parte, talvez a maioria, dos casos de pacientes com insónia persistente, apesar da implementação de todas as medidas não farmacológicas, existem situações de ansiedade ou depressão escondidas.
A ansiedade provoca uma insónia que nós chamamos ‘inicial’. O paciente não consegue adormecer. Os medos que o acompanham durante o dia, permanecem à noite, e o paciente fica horas a tentar adormecer perdido nos seus pensamentos. Os sintomas físicos da ansiedade, como as palpitações (sensação do coração a bater muito rápido), as dificuldades em respirar, aperto no peito ou na garganta, estendem-se do dia para a noite. Por vezes, os pacientes acordam mesmo a meio da noite com crises de ansiedade.
Por outro lado, a depressão costuma provocar outro tipo de insónia. O paciente consegue dormir. Muitas vezes, após um dia pesado, de tristeza, desânimo e falta de vontade, ir dormir é mesmo um objectivo importante e o paciente consegue adormecer. No entanto, passadas poucas horas, acorda e não consegue voltar a dormir. Chamamos a isto insónia terminal e é muito frequente nos casos de depressão.
Uma das questões fundamentais e que, a meu ver, é pouco falada quando se abordam as questões do sono, é que é fundamental avaliarmos o que está por trás da insónia. Em muitos casos aparecem pacientes no meu consultório com insónia secundária à ansiedade ou depressão: tomam há anos medicamentos para dormir (fortes que provocam dependência e que podem promover o aparecimento de Alzheimer) mas padecem de situações de ansiedade ou depressão que não estão tratadas devidamente!
Nestes casos é fundamental que nós, psiquiatras, rapidamente tentemos tratar a situação de base (com psicoterapia e/ou psicofarmacologia adequada) e a insónia rapidamente desaparece (podendo ser descontinuados os fármacos perigosos…)
A importância de reconhecer a causa da insónia
Assim, concluímos que, é fundamental percebermos o que está por trás do “não consigo dormir”. Caso encontremos situações de depressão ou ansiedade temos de as tratar, senão nunca vamos conseguir eliminar a insónia convenientemente, estando a mascarar a causa de base.
Se o não dormir não tem nenhuma situação por trás (por vezes pode acontecer), devemos primeiro avaliar se o paciente tem noção das medidas não farmacológicas que promovem a qualidade do sono, nomeadamente a redução dos estimulantes, a prática de exercício e a implementação de rituais tranquilizantes à noite.
Caso estas medidas não farmacológicas não resultem nós, psiquiatras, dispomos de conhecimento para prescrever fármacos muito bem tolerados e que não provocam dependência nem aumentam a probabilidade de desenvolver situações gravíssimas como o Alzheimer.