Portugal é um País livre. Conquistou a sua liberdade no dia 25 de Abril de 1974. Levámos algum tempo a perceber que éramos livres. Levámos algum tempo a funcionar como pessoas livres porque quando se vive subjugado a uma ditadura durante décadas, há formas de pensar e de agir que ficam coladas a nós como uma segunda pele. E levamos tempo a perceber que, afinal, já podemos pensar de forma livre, que, afinal, já podemos manifestar livremente as nossas opiniões, que, afinal, já somos livres de fazer as nossas escolhas e de trilhar os caminhos que nos fazem sentido. Tudo isto leva tempo. Mas, agora deparamo-nos todos com uma nova realidade.
Estamos impedidos de viver em Liberdade.
E, o que é que isto quer dizer? Estamos confinados ao espaço de nossas casas, com uma liberdade muito reduzida apenas para fazer as coisas mínimas, como, por exemplo, ir ao supermercado. De resto não podemos ir para lado nenhum. Logo não estamos a viver a liberdade no sentido que já a conhecíamos e tínhamos como dado garantido.
Tudo isto exige uma adaptação impressionante.
Porque sentimos uma liberdade condicionada. Porque sentimos que a nossa liberdade tem limites. Porque sentimos que mantemos a nossa liberdade de pensamento, mantemos a nossa liberdade de expressão, mantemos a nossa liberdade como um direito, mas sabemos que a nossa liberdade tem, hoje, muitos limites. Ela está, efectivamente, condicionada e isso faz-nos perceber a sua importância.
Tínhamos a nossa liberdade como um dado adquirido. Hoje já não o é.
E, quando algo deixa de ser um dado adquirido nós sabemos que temos de lutar por ela. E, neste momento, estamos de novo a lutar pela nossa liberdade. Não a lutar no sentido de afrontar as regras e indicações da Direcção Geral de Saúde (DGS). De todo. Pelo contrário. Se queremos realmente respeitar a liberdade e a segurança do outro, temos de respeitar essas indicações permanecendo em casa. Ficar em casa e respeitar o isolamento social é a maior prova de respeito pelo outro e pela liberdade de todos nós. E, ao respeitarmos essas regras, neste momento, estamos a lutar para, aos poucos, recuperarmos a nossa liberdade total.
Isto é um grande ensinamento.
Tenho-me questionado como é que serão os nossos dias após este isolamento social. Como é que serão? No dia em que nós tivermos autorização para circularmos livremente, para sairmos de nossas casas e darmos um passeio, para estarmos próximos das pessoas, para dar um abraço ou um beijo se assim quisermos, como é que vai ser? Será que o saberemos fazer? Será que não vamos manter sempre uma comunicação mais distante do que fazíamos antes? É bem provável.
É bem provável que, quando recuperarmos a nossa liberdade, tenhamos de aprender como as crianças. É bem provável que tenhamos de aprender aos pouquinhos a ganhar confiança, a dar mais um passo no sentido do outro. E, o abraçar? A primeira vez que abraçarmos, se calhar abraçamos, mas iremos temer que haja a contaminação através de uma gotícula. E, então, abraçamos mas caladinhos, não abrimos a boca. Só depois de nos separarmos do outro é que expressamos qualquer coisa. Tudo isto será uma grande aprendizagem. Mas, esta aprendizagem pode ser extremamente rica.
E a liberdade pode ganhar um gosto e um sabor que não tinha.
Os meus pais viveram num País sem liberdade e, por isso, quando a conquistaram sabiam dar-lhe o devido valor. Eu tinha 5 anos quando aconteceu o 25 de Abril de 1974 e, por isso, praticamente, não tenho memória nenhuma dessa data e sempre me lembro de ter vivido num País livre. As gerações que se seguiram à minha ainda mais. Os meus filhos não sabem o que é viver privados de liberdade. Minto. Não sabiam. Agora sabem.
É uma privação diferente, mas já os faz olhar para a palavra liberdade com outro respeito. Baixarem a cabeça e fazerem-lhe uma vénia.
Porque ser livre é das coisas mais preciosas que existem.
É uma das expressões mais importantes para o ser humano. Um ser humano livre é alguém que abre as asas, que voa, que sonha, que respira, que cresce no seu dia-a-dia. Um ser humano que não é livre, fica com muitas destas capacidades adormecidas.
Eu sei que vamos acordar estas capacidades a seguir. Sei que vamos voltar a abrir os braços. Não deixem de sonhar por não ter a liberdade agora de pôr as vossas ideias em prática.
Por favor, sonhem mais do que nunca!
Anotem num caderno, escrevam as coisas que querem fazer e aquilo que querem concretizar. Façam deste período de confinamento e de privação da liberdade, um período de auscultação interior e de questionamento para que a seguir, quando a liberdade for algo acessível, também vos seja mais rápido ir ao encontro dos vossos sonhos sem desistirem rapidamente. Porque, sim, sabem o que custou conquistá-la e, sim, estão preparados para agora conquistar também os vossos sonhos.
Nota: Fotografia por Verónica Silva