O meu parto natural

Francisca Guimarães // Maio 20, 2018
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Antes de te contar aquilo que vou contar sobre o meu parto natural, preciso confessar-te: eu procuro não falar sobre a minha vida pessoal. Sempre fiz questão de manter uma certa discrição, tanto no blog como nas redes sociais, e expor uma história que me é tão íntima e preciosa – ainda por cima a um público tão imenso –  é sair completamente da minha zona de conforto.

Então porquê contar algo que me é assim tão íntimo?

Porque quando se tem uma vivência assim tão especial, e que pode inspirar tantas outras mulheres a usufruírem de uma experiência semelhante, não resta outra alternativa senão partilhar.

Ao contar-te esta história, e o que ela me presenteou de tão valioso, eu estarei também a confiar em ti e a oferecer-te um pouco de mim – e a verdade, minha querida leitora e mulher, é que com certeza tu mereces.

Eles sabem qual o melhor momento para nascer.

Eram 2.00h da manhã quando tudo começou.

Estava eu serenamente a dormir, quando sinto e ouço um estoiro acontecer dentro da minha barriga. Muito assustada, saio rapidamente da cama e, no momento em que me levanto, uma grande quantidade de um líquido transparente cai intensamente no chão. Eram as “águas”. Rebentaram repentinamente e de imediato soube que tinha chegado a hora. O Francisco tinha decidido nascer.

Eu sabia que o meu parto aconteceria durante a noite. Não só o sabia – intuição, talvez – como também tinha conhecimento de que, em geral, os animais dão à luz durante a noite, uma vez que esta é a altura que reúne as melhores condições, internas e externas, para o fazerem.

Apesar de eu não ser propriamente um “animal selvagem”, ainda assim sou um animal. E, se houve aprendizagem que não me passou despercebida é que quando uma mulher entra em trabalho de parto natural, o seu instinto animal é acionado ao máximo – principalmente se o processo não sofrer interferências de analgésicos ou hormonas sintéticas. Ela torna-se na fêmea que está a dar à luz a sua cria. E, mais, ela torna-se deveras selvagem.

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A dor.

Não te vou mentir, dói. Dói muito. À medida que as contrações vão aumentado, quer na intensidade quer na duração, a dor vai intensificando também. Porém, esta dor, que foi sem dúvida a mais intensa que alguma vez senti, não tem porque ser encarada como algo negativo, muito menos ser temida. Aliás, muitas mulheres a descrevem como sendo apenas uma “sensação”.

A dor existe por um motivo, que consiste, principalmente, em servir-te de orientação. Ela vai-te indicando em que fase do trabalho de parto é que te encontras e de que maneira deves posicionar o teu corpo de modo a conseguires ajudar o teu bebé a sair.

Recordo-me da minha querida doula, Carla Silveira, me ter explicado que o parto natural é um trabalho de equipa entre mãe e bebé. Ambos se encontram numa constante interajuda, sendo que a dor é uma das suas principais formas de comunicação. Ao silenciar a dor, através de analgesia, esta comunicação e interajuda é quebrada e, deste modo, a participação da mãe no trabalho de parto fica comprometida.

Find a way.

Encontra uma maneira. Este foi o “mantra” que a nadadora Diana Nyad usou quando fez Cuba-Florida a nado – aproximadamente 53 horas sem paragens. E, foi a este mesmo mantra que eu recorri durante o nascimento do Francisco. Sempre que uma longa e dolorosa contração surgia, eu dizia a mim mesma “encontra uma maneira, encontra uma maneira de a ultrapassar”.

Por vezes a dor aliviava com uma mudança de posição, outras vezes com a ajuda de uma respiração controlada e profunda, mas, no meu caso, o que mais me ajudava era exteriorizar a dor. De cada vez que relaxava a garganta e sonorizava a dor, ela expandia e dissipava-se, tornando-se assim mais tolerável.

Aceitar e entregar.

O segredo está em aceitar cada instante, cada contração, cada imprevisto que possa surgir e entregar o desfecho, isto é, soltar toda e qualquer necessidade em controlar o processo. O corpo e o bebé sabem perfeitamente o que precisam fazer e sabem também como pedir ajuda, se assim for necessário.

No momento em que eu finalmente me rendi – à dor, ao cansaço, à duração do parto, ao desconhecido – algo magnífico aconteceu. Entrei numa espécie de transe. Era como se tivesse passado para uma outra dimensão de consciência, em que a dor e os gemidos me embalavam; em que perdi a noção do tempo e do espaço; em que, por momentos, até a identidade foi esquecida. O mundo lá fora deixou de existir e, ali, na escuridão da noite, ficou apenas uma mulher, uma fêmea, a parir a sua cria.

Escutava, muito ao longe, as vozes da médica e da doula, embora não conseguisse interpretar muito bem o que diziam. Não queria que me tocassem, nem que falassem comigo. Apenas desejava continuar naquele estado de transe que somente consigo descrever como sendo um limbo, um “entre mundos”. Um local que, apesar da dor física gritar, era reinado por uma paz e silêncio absolutamente indescritíveis.

“Eu não estou com medo. Eu nasci para fazer isto”. – Joana d’Arc

Confesso que não senti medo. Nem antes, nem durante, nem depois. A inabalável confiança que eu sentia na sabedoria do meu corpo, no meu bebé, e também na minha doula e médica, fez com que o medo não tivesse encontrado espaço para assentar. Logo, medo não; mas excitação, imensa!

O facto é que o nosso corpo de mulher foi feito para parir. Ele está programado para o saber fazer. Os problemas surgem quando a mente, e principalmente o medo, interfere. Aliás, a hormona que induz as contrações uterinas – a oxitocina – é inibida pela hormona do stress e medo – a adrenalina. Isto significa que a presença desta sensação pode interferir com o normal desenvolvimento do trabalho de parto natural, podendo mesmo levar à necessidade de intervenção médica.

Não há nada a temer. Parir é um dos fenómenos mais naturais que existe. E, o teu corpo sabe absolutamente como fazê-lo. Apenas precisa que a tua mente saia do caminho.

E, depois ele chegou e mudou a minha vida para sempre.

E, agora surge o momento em que fico sem saber o que escrever e em que as lágrimas, ainda de emoção, chegam aos meus olhos. A verdade é que não encontro palavras para contar o que senti no momento em que vi e segurei o meu filho pela primeira vez… É uma sensação que fala uma outra linguagem – a qual eu desconhecia. Eu arrisco dizer que é a do amor, a do verdadeiro amor.

Depois de 9 meses de gestação e várias horas de trabalho de parto natural, ele chegou. Durante todo este tempo, eu experienciei, sem qualquer sombra de dúvida, a maior transformação – física, mental, emocional e espiritual – de sempre. A minha percepção sobre a vida é outra. E, mais, também eu sinto que não sou a mesma. É o que acontece quando nos entregamos aos desafios e aventuras que a vida nos propõe. Saímos deles diferentes do que o que éramos anteriormente. Mais experientes, mais fortes, mais humanos.

“Que a força esteja contigo” – Guerra das Estrelas

Hoje, relembro este acontecimento tão marcante e sorrio. Sinto muita alegria, mas, acima de tudo, uma imensa gratidão. O percurso não foi fácil, mas valeu a pena – ah, se valeu!

Acredito que quem já tenha passado por um parto natural, sabe que esta é realmente uma experiência inesquecível e que nos transforma, como mulheres, de uma maneira incapaz se ser expressada em palavras.

Naquele momento, nós conectamo-nos com o impressionante poder do nosso corpo, da nossa mente e da Natureza. Sentimos uma força avassaladora despertar cá dentro. E, o facto é que, uma vez desperta, esta força grandiosa não volta a adormecer. Ela permanece, acesa como uma chama, lembrando-nos de que somos capazes de isto e muito mais.

Como diz a nadadora Diana Nyad, “o espírito é maior do que o corpo. O corpo é patético comparado com o que temos dentro de nós”.

 

[Nota: a fotografia destaque deste artigo foi cedida pela Francisca Guimarães e é da autoria de  Dreamaker.]

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