… o medo …

Cristina Santos Costa // Agosto 22, 2017
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Naquela terra acorda-se cedo. Ou acordava-se! Não sei bem que forma verbal utilizar porque quando lá voltei da primeira vez corri aquela estrada de alcatrão sem avistar vivalma.

Quando éramos pequenos e nos juntávamos para as festas de Setembro aquela aldeia crescia. Eram as almas que lá viviam a sentir a rudeza dos tempos, que da serra naqueles dias soprava uma canícula a segurar-nos em casa ou no quintal fresco da prima Adelina. Aquele era o local de encontro, das tardes de conversas avulsas, dos lanches a cheirarem a queijo e a marmelada, aos refrescos alimentados pela fonte quase ali ao lado, aos biscoitos amassados pela prima Maria. As lages pretas do chão e a parreira a servir de cortina faziam daquele canto o lugar mais procurado pelos que vinham pouco habituados à dureza daquele sol bruto.

No inverno a serra cobria-se de neve e eram as lareiras que nos alimentavam as conversas noite dentro. Ou os silêncios a deixarem sentir o fogo e o crepitar das cavacas incendiadas de cores vistosas a contrariar os dias que se abatiam cinzentos.

Em Setembro eram os dias das festas no largo da capela. Dias compridos que nos desobrigavam das rotinas, do voltar a casa a dar conta de que andávamos por ali.

A aldeia enfeitava-se com o colorido das flores feitas de papel, que os mordomos desdobravam-se em afazeres para que fosse reconhecida a dedicação à terra que os vira nascer. E que houvesse farto fogo de artifício a exibir rodas de estrelinhas a cintilar junto à estrada de terra batida onde estava guardada “a surpresa” final. Essa era a altura em que os mordomos sentiam o orgulho do trabalho que acabava ali entre os gritinhos entusiasmados da criançada e os aplausos entusiásticos dos foliões a celebrar aquele fim de festa.

Cruzei aquela estrada daquela mesma terra há uns dias. A estrada estava deserta, acho que todos os anos fica mais vazia … de tudo!

Por ali só andaram as chamas a deixar um rasto de cinza e uma tristeza que fica agarrada aos olhos. O cheiro das novidades que a terra dá é agora o cheiro a terra queimada ainda quente nas suas entranhas.

A capela resistiu rodeada de esqueletos de árvores, ardidas mas de pé. Ainda não é Setembro. O tempo não é de festas mas de renascer, ali, naquele sítio …

E em tantos outros …

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