A expressão “cabeça de atleta” é muitas vezes utilizada por quem está mais ligado ao mundo do desporto e, em especial, às pessoas que se dedicam à área do desporto de competição. Utilizamos esta expressão para simbolizar a capacidade que algumas pessoas têm para enfrentar as dificuldades de atingir determinados objetivos – geralmente olham para metas e desafios e determinam na sua cabeça a “obsessão” de os alcançar.
Percebemos facilmente que desportistas como a Rosa Mota ou o Cristiano Ronaldo são pessoas incomuns, pela forma como encaram e perseguem os desafios da sua vida. Fora da área desportiva, existem muitos outros exemplos de tenacidade e determinação e felizmente são cada vez mais os exemplos de portugueses que se destacam, dentro e fora de portas, pelo seu trabalho na área científica, cultural ou empresarial.
Mas hoje quando me preparo para vos escrever sobre uma situação médica que afeta gravemente muitas pessoas e que tem muitos nomes, mas que não é entendida por ninguém, trago o exemplo de um cidadão francês, o Sr. Robert Marchand, de 105 anos, que bateu há dias um recorde da hora em bicicleta. Este “jovem” pedalou durante uma hora num velódromo e percorreu 22,5 Km. Sobre o seu feito disse no final: “ não sou uma aberração nem um campeão. Sou um homem normal”. Questionado sobre o segredo da sua longevidade e VITALIDADE, respondeu: “pratiquei desporto durante toda a minha vida, comi fruta, não fumei e bebi pouco álcool e café”. A psicóloga que faz parte do seu “staff” rematou: “tem uma grande determinação, não hesita, não tem medo de tentar”.
Ressalvo a expressão: “NÃO TER MEDO DE TENTAR”.
Falo-vos deste entre outros exemplos possíveis, neste dia em que decidi escrever sobre uma doença que é um terrível desafio para nós médicos mas, em especial, para as pessoas e famílias que dela sofrem cronicamente: a fibromialgia.
A direcção Geral da Saúde (DGS) publicou esta semana uma orientação para os médicos do nosso serviço nacional de saúde sobre como diagnosticar e gerir esta doença. Na definição da própria Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), a fibromialgia é uma síndrome de dor generalizada que afeta predominantemente o sistema muscular (dor músculo- esquelética) e com natureza desconhecida e sem causa orgânica detetável. As dores difusas têm origem nos tecidos moles – músculos, tendões, ligamentos – e não representam patologia articular ou óssea. O quadro de sintomas mais frequentes inclui dores de cabeça, cansaço/fadiga, alterações do sono, perturbações da memória e depressão.
A fibromialgia afeta pelo menos 2% da população adulta e representa uma importante percentagem das consultas de clínica geral. As mulheres são, pelo menos, cerca de 9 vezes mais atingidas que os homens e a idade de início oscila entre os 20 e os 50 anos de idade. Uma característica fundamental desta doença e talvez por isso é um desafio tão grande para todos, é que não há relação entre os sintomas graves e incapacitantes e alterações em análises e outros exames médicos. Mas existem muitas alterações que os doentes apresentam quando tocados/palpados pelo médico: uma sensibilidade dolorosa marcada em quase todo o corpo.
Nas palavras do Dr. Jaime C. Branco, um dos médicos que mais se tem notabilizado na luta e divulgação desta doença: “A fibromialgia é como uma “cebola”, em que à volta do núcleo central, de dor generalizada e pontos dolorosos à pressão… se podem encontrar várias “camadas” de diversos sintomas, em quantidade e de qualidade variáveis, de doente para doente e até no mesmo doente, em momentos diferentes da evolução da fibromialgia”. Ou seja, é difícil para os médicos fazer o diagnóstico mas o mais complexo é o tratamento.
Não existe qualquer terapêutica específica que “sirva” a todos os doentes. As abordagens mais eficazes são as combinações terapêuticas que associam tratamentos farmacológicos e não farmacológicos. O melhor tratamento inicia-se com uma correta atitude médica. A certeza do diagnóstico é fundamental para o doente e para o médico. Muitas vezes, o próprio diagnóstico que dá uma justificação a todas as queixas do doente é um fator de melhoria emocional e psicológica e consequentemente leva a uma diminuição da dor. A educação do doente e familiares é uma parte fundamental do tratamento. Existem pelo menos três fatores de agravamento que devem ser evitados para melhor alívio das queixas. A redução da atividade física, a depressão e os problemas do sono (insónias, sono não recuperador, entre outros). Recomenda a SPR que, para além de medicação e tratamentos específicos, a aquisição de hábitos regulares de exercício físico, a melhoria da qualidade e quantidade do sono e o apoio psicológico são fundamentais para o tratamento da fibromialgia.
A fibromialgia aparece muitas vezes associada a outras doenças e, por isso, deve ter-se todo o cuidado para que estas situações não passem despercebidas. Mais uma vez recordo que esta informação não dispensa a consulta do seu médico. O objetivo é informar e formar para que possam fazer parte ATIVA do tratamento.
Hoje em dia eu diria que a vida é um desporto de alta competição e que quase todas as pessoas, num ou noutro dia, se identificam com estes sintomas. O desgaste e o cansaço atingem todas as idades e pessoas, que se sentem exaustas, doridas e com pouca energia. Voltando ao exemplo do jovem ciclista de 105 anos e ao tratamento e PREVENÇÃO desta e de outras doenças – não tenham medo de tentar!
Pratiquem exercício, melhorem a alimentação e protejam o vosso descanso. Preparem o vosso “terreno” para que nele nasça uma árvore saudável e vigorosa que possa dar bons frutos.
Continuaremos a falar sobre “terreno” nos próximos temas.
Saúde para todos e não tenham medo de tentar.
Jose Santos