O Cancro do Pâncreas

Renato Bessa de Melo // Novembro 18, 2021
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cancro do pâncreas
cancro do pâncreas

O pâncreas é uma glândula anexa do aparelho digestivo que se encontra localizada na parte superior do abdómen, atrás do estômago. Divide-se em três partes: cabeça (lado direito), corpo (secção central) e cauda (lado esquerdo). A parte da cabeça encontra-se em íntima relação com o duodeno, via biliar (o canal onde passa bílis, produzida no fígado) e alguns vasos importantes que vão para o intestino. 

O pâncreas desempenha duas funções no nosso organismo. 

A primeira é uma função exócrina ao ser responsável pela produção de enzimas digestivas que vão fazer a digestão de alimentos e permitir a sua absorção. A segunda é endócrina, produz várias hormonas fundamentais para o normal funcionamento do corpo humano. A mais conhecida é a insulina, que é responsável pela regulação dos níveis de açúcar no sangue.

O cancro do pâncreas ocorre quando se formam células malignas no tecido pancreático. 

O termo “cancro do pâncreas” corresponde genericamente ao adenocarcinoma do pâncreas, que é o tumor maligno do pâncreas mais frequente, e que se forma a partir das células exócrinas (que produzem as enzimas digestivas). Esta não é a única neoplasia maligna do pâncreas, apesar de representar 95% de todos os cancros do pâncreas. Também podem existir tumores neuroendócrinos do pâncreas, que representam 5% dos tumores pancreáticos, e têm na maioria dos casos um comportamento menos agressivo do que os adenocarcinomas. 

Epidemiologia

O adenocarcinoma do pâncreas é uma das neoplasias com pior prognóstico na Europa. A sobrevida média dos doentes após o diagnóstico é inferior a seis meses. Mundialmente, ocupa o 3.º lugar nas mortes por cancro, a seguir ao pulmão e cólon, e em Portugal é a 3.ª neoplasia maligna do sistema digestivo mais frequente. 

A incidência do cancro do pâncreas tem vindo a aumentar, sobretudo nos países desenvolvidos. Apesar de todos os progressos no tratamento, ao contrário do que acontece na maioria dos cancros, o número de mortes tem vindo a crescer todos os anos. Em Portugal, em 2017, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) a taxa de mortalidade era de 15.1/100 000 habitantes. 

Sinais de alarme 

Habitualmente, o cancro do pâncreas não apresenta sintomas na fase inicial. É ‘silencioso’ até uma fase avançada e os sintomas variam com a localização do tumor no próprio órgão. 

Os sintomas são, na maioria das vezes, relativamente inespecíficos, como: dor abdominal com irradiação para a região dorsal, que não desaparece com a mudança de posição; perda de apetite; emagrecimento sem causa aparente; ou, cansaço. Pode ainda surgir coloração amarelada dos olhos e pele (icterícia) se o tumor envolver a cabeça do pâncreas e provocar obstrução da drenagem biliar (por invasão da via biliar, que leva a bílis do fígado para o intestino). A icterícia pode associar-se a urina de cor escura (vinho do porto), fezes de cor clara ou comichão (prurido).

Diagnóstico

O diagnóstico do cancro do pâncreas é habitualmente feito através do exame físico e exames complementares, tais como: 

  • Ecografia abdominal: muitas vezes é a opção inicial por ser um exame simples, acessível, não invasivo e inócuo. No entanto, devido à sua localização e a existência de interposição gasosa pode não ser possível visualizar o pâncreas na sua totalidade;
  • Tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM): são métodos de imagem com excelente pormenor na avaliação do pâncreas (se realizados com contraste endovenoso) e muito importantes para diagnóstico e estadiamento (avaliar a localização, extensão e relação com outros órgãos);
  • Ecoendoscopia: técnica que permite visualizar, através de uma sonda de ecografia de alta resolução colocada na extremidade distal de um aparelho de endoscopia, todo o pâncreas através do estômago e duodeno (porção inicial do intestino). É de grande utilidade no diagnóstico e estadiamento local, com a vantagem de permitir a realização de biópsias essenciais para o diagnóstico definitivo e estabelecimento de plano terapêutico;
  • Tomografia de emissão de positrões (PET FDG): este exame permite, após a injecção endovenosa de um produto radioativo, detetar células metabolicamente ativas, como é o caso das neoplasias malignas. Pode ser útil na detecção de lesões metastáticas (lesões à distância) em que a ressonância magnética ou a tomografia computadorizada não são conclusivas.

As análises sanguíneas, nomeadamente os marcadores tumorais, não devem ser usados para o diagnóstico de tumores. Após o diagnóstico, se elevados, podem ser úteis para a avaliação de resposta à terapêutica e seguimento dos doentes. O seu uso indiscriminado e para rastreio não está indicado.

O correto diagnóstico e avaliação da extensão da doença são essenciais para se poder definir a estratégia terapêutica para o doente.

Prevenção e comportamentos de risco

Não são conhecidas as causas para o desenvolvimento de cancro do pâncreas. Apenas conhecemos alguns factores de risco para o desenvolvimento do mesmo, sendo que os principais são:

  • tabagismo: é o principal fator de risco identificado, aumentando o risco de cancro cerca de duas a três vezes;
  • alcoolismo: os indivíduos com elevado consumo de álcool, especialmente aqueles que desenvolvem formas de pancreatite crónica, têm risco aumentado de vir a ter cancro do pâncreas;
  • obesidade: indivíduos obesos têm um risco ligeiramente superior em desenvolver cancro do pâncreas;
  • pancreatite crónica: geralmente associada ao consumo de álcool e tabaco, é um fator de risco adicional;
  • doentes portadores de determinado tipo de quistos (mucinosos) do pâncreas, nomeadamente os IPMN (Neoplasia intraductal mucinosa);
  • predisposição familiar: o risco de desenvolver cancro do pâncreas é superior nos familiares de 1º grau (pais, irmãos ou filhos) que tenham ou tiveram a doença (particularmente quando esta surge antes dos 50 anos). Estes doentes têm indicação para rastreio de cancro do pâncreas, assim como, doentes com determinadas mutações genéticas que aumentam o risco deste cancro.

Qualquer comportamento ou condição que aumenta a hipótese de ter uma doença é um fator de risco. É fundamental tentar hábitos de vida saudáveis e controlar os fatores de risco preveníveis. 

Tratamento do cancro do pâncreas

O tratamento do cancro do pâncreas vai depender de vários factores: características do tumor (por exemplo, o seu grau de diferenciação e características histológicas), localização do tumor no pâncreas, estadiamento local (invasão de estruturas e órgão adjacentes) e à distância (presença de metástases), e do doente (sua condição física global e doenças associadas). 

A abordagem terapêutica tem de ser individualizada. O tratamento não é único e só a combinação de várias modalidades é capaz de tratar de forma adequada o cancro do pâncreas. 

O tratamento vai passar por quimioterapia, cirurgia e eventualmente radioterapia. Estes tratamentos devem ser adequados ao tumor individual. Por exemplo, a extensão e tipo de cirurgia vai depender da localização do tumor. Lesões da cabeça do pâncreas tem indicação para duodenopancreatectomia cefálica e doentes com lesões da cauda tem indicação para pancreatectomia distal, quase sempre associada a esplenectomia (retirada do baço). Em alguns casos pode estar indicada a realização de pancreatectomia total. A cirurgia pancreática pode comprometer as funções do pâncreas e os doentes podem desenvolver diabetes ou insuficiência exócrina (incapacidade de efectuar a correcta digestão dos alimentos) após a cirurgia e necessitar de medicação para corrigir estas alterações. Por outro lado, a quimioterapia vai depender das características histológicas e moleculares das células do tumor.

O tratamento do cancro do pâncreas é complexo e multimodal. Deve ser efectuado por equipas especializadas e multidisciplinares que incluam, entre outros, Cirurgia Geral, Gastroenterologia, Oncologia Médica, Radio-Oncologia, Imagiologia e Anatomia Patológica.

O futuro

O cancro do pâncreas é uma doença com um mau prognóstico. Mas, hoje são concentrados nesta patologia grandes esforços a nível de investigação por toda a comunidade científica. O foco deve estar na adopção de um estilo de vida saudável, um alto índice de suspeição que permita um diagnóstico atempado e, por fim, um tratamento multimodal e personalizado. O esforço de todos pode permitir avanços significativos no combate e tratamento desta doença.

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