Não te rendas,
… não cedas: mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Mario Bennedeti
Não desistas, não te rendas, não cedas mesmo que o cansaço te tolha, o desânimo te enfraqueça porque ser resiliente é persistir. Ser resiliente é continuar. Ser resiliente é ser capaz de recuperar o que se perdeu, mas não desapareceu, apenas não se encontra disponível. Estas palavras sucedem-se ao belo poema de Mario Bennedeti, “Não desistas”, que dão ânimo a persistir, a resistir e atingir um sonho, uma meta, uma realização ou um sonho de se conseguir e acreditar que nunca é tarde para “ser quem se poderia ter sido” desde que exista fogo na alma ou desejo no coração. E neste entrelaçar de ideias sucedem-se pensamentos partilhados do que significa ser resiliente? O que faz e como se revela a resiliência? E será que ser resiliente é sempre positivo?
O que é uma pessoa resiliente?
Uma pessoa resiliente1 mantém o equilíbrio emocional e a autoestima quando é confrontada com a oposição dos outros às suas ideias, realizações, comportamentos ou quando as coisas não correm de acordo com as suas expectativas. É resiliente se é capaz de manter a calma, nem coloca em causa o seu valor perante acontecimentos ameaçadores ao seu modo de estar e viver.
Estas palavras, inspiradas na identificação de comportamentos importantes para o desenvolvimento de competências comportamentais empreendedoras[1], aplicam-se bastante nos tempos em que vivemos em que a incerteza impera, a desconfiança, a solidão, as dificuldades e a miséria humana tendem a instalar-se, em diversas dimensões, quase (quando não o faz) atirando as pessoas para um vazio de esperança e futuro.
O que é a resiliência?
A resiliência é uma propriedade dos materiais descrita pela física2 e representa a capacidade de um corpo de recuperar a sua forma original após uma deformação ou choque. Se considerarmos esta expressão no âmbito da experiência humana a resiliência é avaliada pela capacidade de recuperação e regresso a um funcionamento “normal” quando uma pessoa passa por adversidades ou traumas significativos (doenças graves ou prolongadas, acidentes, agressões humanas, acidentes da natureza, guerras, alteração drástica de condições de vida, etc.).
Qual a relação entre resiliência e resistência?
Se é resiliente possui uma grande capacidade de resistência, mas será que a resiliência é sempre uma qualidade positiva? É sempre algo que ajuda?
Para António Simão, psicoterapeuta, nem sempre a resiliência é boa. Este psicólogo dá o exemplo de um elástico estendido nos braços de uma cadeira. A elasticidade mantém-se durante algum tempo, mas após resistência prolongada este material perde a sua principal característica que é a elasticidade. Também a resiliência é boa desde que a pessoa não deforme a sua própria natureza, as suas qualidades e a sua capacidade de recomeçar.
No filme “O rapto de Lisa McVey” baseado na história verídica de uma rapariga que foi sujeita a diversos abusos emocionais e sexuais em casa, e por um assassino em série que a rapta e maltrata, mostra-nos a enorme capacidade de resistência de uma menina e adolescente para resistir, sobreviver e lutar, pois acreditava que era possível ter uma vida melhor (ao contrário do que a sua mãe repetidamente lhe dizia), tal como aconteceu a partir do final da sua difícil adolescência. Temos aqui um excelente exemplo de resiliência positiva. Mas será que não há uma resiliência negativa?
Existe relação entre resiliência e persistência?
A resiliência e persistência em termos práticos estão muito próximas. Para se recuperar precisa-se ser persistente na concentração e continuidade da realização da tarefa e perseguição dos objetivos, apesar das eventuais distrações, contrariedades ou adversidades (por exemplo, oposição dos outros, falta de apoio interpessoal, falta de meios físicos, intelectuais ou emocionais).
Qual a importância da resiliência no trabalho?
A resiliência no trabalho é uma característica muito apreciada mesmo que nem sempre possa ser chamada por esse nome. Para mim e também para o consultor José Soares Ferreira, a resiliência é uma competência crítica para o comportamento empreendedor (capacidade de agir continuadamente para gerar resultados tangíveis ou intangíveis, quer dentro quer fora das organizações – empresas próprias ou vida pessoal) que pode ser desenvolvida e reconhecida, através do comportamento de uma pessoa que sabe gerir o stress, é persistente, comunica com diplomacia; tem capacidade de concentração, sabe controlar-se, tem calma e sabe aceitar as críticas.
Gerir o stress profissional requer muitas competências, pois se sabe gerir o stress tem autoconfiança, pois confia que possui os recursos (tempo, pessoas, dinheiro, materiais, conhecimentos, experiência, etc.) para dar resposta aos imperativos do seu trabalho. O contrário de saber gerir o stress em contexto profissional resulta numa situação de burnout que surge na continuidade de lidar com as tensões, exigências num contexto profissional e não ter os recursos (ou acreditar que não tem) para lidar com as situações. Por isso, podemos considerar que a resiliência é não só uma competência pessoal como profissional.
O “excesso de resiliência” pode conduzir ao burnout?
«O burnout resulta de um estado persistente de stress no trabalho3 em que a “pessoa sente que os seus recursos para lidar com as exigências colocadas pela situação já estão esgotados4” e traduz-se em três dimensões: exaustão emocional (esgotamento), despersonalização (cinismo, apatia, indiferença) e baixa realização pessoal (sentimentos de fracasso, incompetência e auto desvalorização, em que se duvida da sua própria capacidade para desempenhar5)…»
O burnout é um estado de longa duração com perdas acentuadas do desempenho acompanhado por um estado de ligação negativa ao trabalho6. Nesta situação de exaustão e esgotamento, despersonalização e baixa realização pessoal, mesmo que haja recuperação, a prazo um dos efeitos do stress repetido e continuado é a perda da capacidade para conseguir gerir esse mesmo stress, perdendo-se qualidades ou mesmo a saúde (mental e física). Temos assim um caso de resiliência negativa.
Resiliência emocional e autoconfiança
A resiliência, como muitas outras competências, alimenta-se das emoções. São as emoções que dão energia. Mas as crenças, as convicções podem alimentar as emoções ou enfraquecê-las. Uma crença, do meu ponto de vista, que é particularmente importante pelo seu impacto na resiliência, na capacidade de lidar com a adversidade e frustração, é a autoconfiança.
A autoconfiança resulta da capacidade de acreditar em si próprio e nos próprios recursos (conhecimentos, experiência, aptidões, qualidades) que ajudam a pessoa a acreditar, mesmo não sabendo como, que é capaz de lidar com a incerteza de não saber o que vai acontecer e, mesmo assim, resolver os problemas e ser capaz de se adaptar adequadamente às situações.
Resiliência e “ter um sentido”
Para Friedrich Nietzsche, “quem tem um porquê, suporta qualquer como”. Este porquê pode ser uma missão (dar o seu contributo…), um valor (família). Apesar destas palavras fazerem todo o sentido eu acrescentaria, inspirada nalguns bons professores: quem tem um para quê, suporta qualquer como. E é por isso que precisa de encontrar razões que confiram sentido ao vazio existencial: projetos que o/a projetem no futuro; valores que orientem a sua conduta; motivações que o/a transcendam e o/a façam religar a experiência aparentemente sem sentido com algo que reconhece como lhe sendo superior; ou apenas uma chama: desejo, sonho, aspiração, motivação que ilumine os seus passos nos momentos mais sombrios tal como o fazem pessoas que sobreviveram e ultrapassaram catástrofes, abusos e traumas inimagináveis. Por isso, e só por isso, não desistas, não te rendas porque a vida é isso!
Não te rendas,
ainda estás a tempo de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras, enterrar os teus medos, largar o lastro, retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos,
destravar os tempos,
arrumar os escombros e destapar o céu.
In “Não Desistas”, de Mario Bennedeti
Referências bibliográficas:
1 In Referencial de Formação Pedagógica Contínua de Formadores – Competências Empreendedoras: Centro Nacional de Qualificação de Formadores do IEFP dos autores José Soares Ferreira e Ana Tapia;
2 In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia, [consultado em 16-11-2020];
3 Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, M. P. (2001). Job Burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397–422. http://doi.org/10.1146/annurev.psych.52.1.397;
4 Gomes, A. R., & Cruz, J. F. (2004). A experiência de stress e “burnout” em psicólogos portugueses: um estudo sobre as diferenças de género. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática. Acedido 4 Julho, 2016, http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3944/4/2-Gomes&Cruz-SORevista-UM.pdf;
5 Schaufeli, W. B., Leiter, M. P., & Maslach, C. (2009). Burnout: 35 years of research and practice. Career Development International, 14(3), 204–220. http://doi.org/10.1108/13620430910966406;6 Há moderação de género na relação entre motivação e bem-estar? In https://repositorio.ul.pt/handle/10451/29044, tese de mestrado de Ana Tapia.