Não basta amar para ficar

Diana Gaspar // Fevereiro 12, 2024
Partilhar
não basta amar para ficar
não basta amar para ficar

Sempre acreditámos que é um relacionamento de amor que nos trará a felicidade eterna. Quem não vive a fazer tudo pelo seu grande amor ou à espera de o encontrar? Da Cinderela ao sonho de um casamento romântico com o amor da nossa vida, todos temos enraizado que o amor nos vai trazer aquela vida de novela, ou que é ele o suficiente para garantirmos o nosso valor. Mas nada disto, mostra em si ser verdade. 

Sabemos que os relacionamentos influenciam de forma significativa a forma como nos sentimos, mas não são eles per si que nos trarão felicidade e valorização, às vezes, antes pelo contrário. 

Dizem-nos os estudos, que os relacionamentos só contribuem para a nossa felicidade se forem percebidos e avaliados como – bons relacionamentos – porque ter um relacionamento não traz garantias de bem-estar ou de uma vida melhor. 

Sabemos que os relacionamentos são construções exigentes que nos trazem o convite para olharmos para além da paixão ou da razão inicial que nos fez amar. 

Mas na cultura romantizada onde estamos, parece que amar é sinónimo de paixão e que, em si, é o suficiente para estar e continuar num relacionamento mesmo que esse amor nos faça sentir a perder saúde ou identidade. Não estou com isto a dizer que a paixão é má ou enganadora, porque não o é. É, sim, um excelente elixir e um grande pontapé de saída, mas não é de todo o motivo ou o alimento suficiente para ficar num relacionamento.

Na verdade, amar vai muito além do terramoto apaixonado que o outro pode ter provado na nossa vida quando chegou e ficou, e assim é importante perceber como nos faz viver e o que nos traz. 

Daí que amar, pode não ser mesmo o suficiente para ficar, principalmente quando nos faz sentir que não somos ninguém sem ele, que nos retira energia, anula ou nos coloca em constante instabilidade. Amamos a pessoa ou o que ela nos faz sentir? Estamos por amor ou pelo medo de ficarmos sós, rejeitados ou abandonados? Estamos porque nos faz sentido ou porque já não sabemos quem somos? 

Sabemos que para um relacionamento contribuir para uma vida com significado e saúde, precisa de ser um terreno fértil para comunicar de forma clara, satisfatória e com a liberdade suficiente para os envolvidos se darem a conhecer e conhecerem a pessoa com quem estão. Porque o amor é uma construção. 

São muitas as pessoas que partilham nas minhas consultas, que sentem que estiveram casadas muitos anos com alguém que sentem que nunca conheceram. Como amar o que não conhecemos? Significa isto que é fundamental que cada um sinta espaço para manter a sua individualidade, para comunicar as suas necessidades, medos, desejos e planos, e que haja o compromisso de se construir um espaço a dois, com todos os desafios e dificuldades que este compromisso traz. Neste espaço de comunicação é fundamental que haja liberdade para se falar de dinheiro – que é uma das maiores fontes de conflito – e da sexualidade do casal – que é um dos maiores fatores de insatisfação. 

Para além disto, é essencial que seja construído um caminho que faça sentido para os dois, com experiências a dois e com espaço para transformar medos, vulnerabilidades e traumas, que se irão tornando visíveis à medida que a relação se vai construindo no tempo. 

Mas se estar a dois é fundamental para amar, manter um espaço a sós e com outras pessoas significativas na vida de cada um, mostra também ser fundamental. Amar para ficar precisa de um eu, um tu, um nós em comunhão também com os outros. 

Aprender a transformar conflitos e não ter medo que eles existam é um sinal de saúde relacional. 

Não pensando duas pessoas sempre da mesma maneira e tendo sempre algumas perspectivas diferentes, algum tipo de conflito irá surgir e, neste sentido, aprender a regulá-lo é fundamental para um casal funcionar. Já a ausência desta capacidade ou viver com medo do conflito (se a ele estiver associado comportamos abusivos), pode ser um sinal de uma relação doente. É preciso aprender a resolver problemas e a crescer neles – é isto que gera compromisso e relações com “pernas para andar”. Aprender a ouvir, desenvolver empatia pelo que o outro está a sentir, aprender a pedir desculpas, esclarecer necessidades, respeitar, ser leal e viver em verdade, são expressões da vivência do verbo amar. 

Por fim, é fundamental que haja aceitação para que cada um continue a ser quem quer ser, e não passar a ser em função do desejo ou necessidades do outro, o que tanto acontece em relacionamentos com padrões tóxicos e abusivos

Se ter um relacionamento pode contribuir para a felicidade, também pode contribuir em igual medida para a ausência de saúde mental. Se é ela que está em causa, então não basta amar para ficar. Para ficar precisa de haver respeito mútuo, conforto para se ser e expressar quem é, segurança com previsibilidade, e admiração pela pessoa com quem partilhamos uma vida.

Ler mais

Social Media

Copyright © 2023 Simply Flow. Todos os direitos reservados.

Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência. Aceitar Saber mais