Desde que nasci que ouço falar em crise. Hoje, sinto que a palavra parece ter um significado mais forte, mesmo que o seu sentido esteja um pouco diferente. Nos primeiros tempos, crise parecia ser algo temporário e com dimensão negativa, algo que não se conseguia prever e cuja resolução exigia trabalho complexo. Na nossa época, a crise parece ter vindo para ficar, pois parece colada à mudança que todos os dias acontece no quotidiano das nossas vidas. Talvez o mindset das pessoas e das organizações esteja a mudar, e talvez seja o resultado de uma nova filosofia.
Hoje, já não é apenas a sociedade a impor os seus valores às pessoas, mas as pessoas também trabalham para criar novos cenários de vida, com mais liberdade, bem-estar, coragem e felicidade.
Sabemos que algumas pessoas desvalorizam a filosofia, talvez porque a sua experiência na escola secundária tenha sido menos interessante. Há dias, a professora Raquel Varela escreveu um artigo para a plataforma online Vila Nova, onde referiu que os colégios valorizavam mais a filosofia. O tema é interessante, mas não tenho dados suficientes que me permitam tomar uma posição crítica e informada. Há uns anos atrás, foi verdade que os colégios investiram bastante, por exemplo, na oferta da disciplina de filosofia para crianças. Hoje, sabemos que muitas escolas públicas também o fazem.
Portanto, o que poderá significar a expressão “dar mais valor à filosofia”?
Talvez seja a perceção de que a filosofia não existe apenas dentro da escola! A filosofia não é apenas uma disciplina de estudo. Não é apenas uma matéria teórica. É possível utilizar as competências filosóficas e aplicá-las, não apenas na tarefa de leitura de livros antigos, mas também à vida das pessoas e à sociedade em geral. E tem sido muito interessante assistir à publicação de livros que seguem esta abordagem. Por exemplo, “Nietzsche para Stressados”, de Alan Percy.
Hoje assistimos a um crescimento de projetos filosóficos na sociedade em geral. Vejamos alguns exemplos: nas empresas, os filósofos exploram a visão, a missão e os valores; nos clubes desportivos, os filósofos aperfeiçoam a ética; nas câmaras municipais os filósofos desenvolvem a visão sistémica; nas bibliotecas, os filósofos apresentam livros e debatem temas de interesse para as comunidades; nos gabinetes de aconselhamento os filósofos dão consultas sobre problemas filosóficos das pessoas e das Organizações; nos conselhos/comissões os filósofos emitem pareceres, etc..
Considero que estes tempos que estamos a viver são altamente filosóficos.
Os desafios são constantes, não temos muitas certezas, as questões que se apresentam no nosso dia-a-dia têm sempre um elevado grau de complexidade, pois envolvem muitos fatores de análise e apelam a diferentes perspetivas. Por isso, nem sempre é fácil ter uma opinião formada sobre um determinado assunto.
Claro que existem pessoas que emitem opinião sem pensar muito, dando crédito apenas às suas emoções, interesses imediatos, medo, imagem perante os outros, inveja, etc.. Pessoalmente, prefiro não ter muitas opiniões dessas. Gosto de pensar bem sobre os temas, recolher o máximo de informação possível e ouvir o maior número de pessoas (de preferência, com trabalho demonstrado na área). Na minha experiência como consultor de várias Organizações, sinto que a necessidade mais urgente é a de escutar ativamente as suas pessoas. Quem não o fizer vai estar a criar problemas imensos…
Alguns temas que tenho prestado mais atenção nos últimos tempos:
O número de divórcios aumentou significativamente em Portugal, assim como o bullying nas Escolas.
O número de suicídios no mundo continua a ser bastante elevado. Dados recentes apontaram para 1 suicídio no mundo a cada 40 segundos. É um problema que desperta constantemente o meu interesse de investigador. E recordo sempre aquela frase de Albert Camus:
Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia.”
Albert Camus
Portugal incluiu há poucos anos, na sua legislação, a questão do stalking, que passou a ser considerado crime e que veio juntar-se aos crimes contra a honra e a dignidade pessoal/humana. É conhecido o caso do famoso cantor dos UHF, António Manuel Ribeiro, que depois de muito sofrimento publicou toda a sua história em livro.
Nestas matérias, temos hoje que equacionar o mundo tecnológico, onde grande parte dos problemas (e das oportunidades) acontecem online e exigem novas ferramentas de trabalho e de análise. Se por um lado as autoridades conseguem obter mais facilmente os meios de prova do crime, por outro lado as variáveis também aumentaram em grau de diversidade. Por isso o Governo criou o Gabinete de Cibercrime.
No programa Happy Schools, que estou a dinamizar na parceria DGAE/ Atlântica, temos referido estes temas. Também a UNESCO identificou alguns destes desafios quando criou o projeto.
Nos Estudos que tenho lido, verifico uma ideia forte: o foco deve estar centrado nas pessoas e na sua jornada.
Na minha experiência em consultas de aconselhamento junto de pessoas que me procuram, a jornada da vida (pessoal e profissional) é cada vez mais filosófica, pois, como disse no início deste artigo, as “receitas únicas” tendem a desaparecer e a quantidade de possibilidades (de caminho) a aumentar.
No final dos anos 90, quando estava a terminar a minha licenciatura em filosofia, pensei: Gostava de criar uma loja de filosofia, que vendesse serviços de desenvolvimento de conceitos, ideias, argumentos, sistemas de pensamento, análise crítica, raciocínio criativo, etc.. Foi com essa motivação que mais tarde criei a marca Gabinete PROJECT@. Em 2019 organizámos o I Philosophy Summit do mundo.
Hoje, faz todo o sentido pensar numa loja de felicidade, pois o mundo está a pedir ajuda nesse sentido.
Nos cursos que dinamizo em diferentes Universidades e Organizações, tenho trabalhado a ideia de que os diferentes profissionais devem contemplar nos seus planos de intervenção diversas ferramentas e cenários, para que as decisões sejam tomadas com base em evidências recolhidas junto das pessoas que fazem parte da nossa networking. É dessa forma que esses profissionais podem ajudar as pessoas a melhorar a sua performance e resultados.
O meu trabalho tem uma forte dimensão pública, em que tenho dado muitas conferências sobre questões com impacto social (algumas mais polémicas do que outras) e portanto, tenho ajudado diferentes profissionais e Organizações a investir em pensamento crítico e criativo.
Num desses trabalhos, fui convidado por uma organização muito importante da sociedade portuguesa para ser keynote speaker e participar na celebração do seu aniversário. Comecei por utilizar uma frase do nosso Nobel José Saramago, para partilhar o diagnóstico da atualidade:
Na sociedade atual falta-nos filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão. (…) parece-me que sem ideias não vamos a parte nenhuma.”
José Saramago
Depois, para demonstrar a força desta frase, realizei um exercício. Pedi ao auditório que se imaginasse inspetor de uma empresa. Eu fiz de CEO e atribuí 1 tarefa para aquele dia de trabalho. (CEO simpático) Expliquei várias vezes a tarefa e coloquei-me ao dispor para todas as dúvidas que pudessem surgir. Não houve muitas. Informei que 1 erro nessa tarefa teria como consequência o despedimento. Estavam na plateia cerca de 200 pessoas. Online deveriam estar mais 500. Como não era possível envolver todos os presentes, pedi alguns voluntários. Realizámos o exercício. Fiz uma pergunta aos “inspetores” e dei 5 respostas possíveis. Sabe qual foi o resultado? Todas as pessoas foram despedidas. Com este exercício, senti claramente que o silêncio se tinha instalado. O que estariam as pessoas a pensar agora? Terei ganho mais poder de argumentação? Claramente, as pessoas estavam intensamente interessadas naquilo que eu ia dizer a seguir…
Ferramentas de recolha de informação são importantes, mas não suficientes. Precisamos de uma filosofia.
Não uma filosofia copiada (que pode ser útil para começar), mas uma filosofia original, que nasça da nossa situação específica, das nossas necessidades, dos nossos problemas. Dá trabalho, é verdade, mas o que vamos ganhar será imenso. Será propósito, felicidade, amor, resiliência…
É por isso que as pessoas e as organizações devem investir em filosofia.