Tal como a maioria das pessoas no planeta, passei pela quarentena decretada no nosso país reduzindo as minhas saídas a uma vez por semana para ir às compras (nunca pensei ficar tão entusiasmada por ir ao supermercado ou à farmácia).
No meu trabalho como psicóloga online vi como as pessoas se debateram com os medos imediatos sobre a doença, a ansiedade gerada pela incerteza económica no médio prazo, a irritabilidade por estarem fechadas tanto tempo, as relações familiares, a solidão dos que estavam sozinhos em casa, as saudades dos abraços dos familiares e amigos. Algumas pediram a amigos para irem até ao patamar do seu andar só para terem a sensação da presença de um ser humano, outros redobraram o exercício físico, alguns puseram as séries televisivas em dia, uns quantos fizeram formações online e quase todos consumiram muita informação.
O que aprendemos com o confinamento?
Ao se aproximar o momento do desconfinamento, comecei a perguntar-lhes o que este retiro forçado em casa lhes tinha ensinado sobre elas próprias. A maioria disse que tinha aprendido muita coisa, uma vez que foram forçadas a refletir. Perante uma situação de desconforto emocional, em vez de recorrerem a estratégias de evasão, tal como dar uma volta de carro, marcar um fim-de-semana fora ou simplesmente caminhar um pouco para espairecer, foram forçadas a lidar com os seus incómodos antigos, sem saídas de emergência.
As pessoas identificaram coisas como:
- “Sou mais forte do que pensava”;
- “Afinal não preciso de sair todas as sextas-feiras para me sentir bem”;
- “A minha relação conjugal foi aprofundada”;
- “Tenho mais orgulho nos meus filhos até por ver como se portaram nesta situação”;
- “Afinal há vantagens no teletrabalho”;
- “Vi como a humanidade pode ser no seu melhor e no seu pior”;
- “Confirmei que fiz a melhor opção em ter-me divorciado”…
Houve tantas reflexões que não consigo nomear todas. Ainda assim, todas estas pérolas de satisfação não eliminam o desafio gigante que enquanto espécie atravessamos.
Ao longo da nossa evolução enquanto mamíferos, organizamo-nos em grupos pela sobrevivência física e emocional. Estar com alguém que nos transmite segurança traz-nos paz, sendo que a melhor forma de nos acalmarmos ou animarmos é estarmos com alguém em quem confiamos.
Há características nas pessoas que nos acalmam: olharem-nos e sentirmo-nos vistos, uma voz calma, uma festa na cara, um abraço ou um beijo. E agora, para o bem da nossa sobrevivência, não podemos usar estas estratégias de corregulação emocional. Face a tais circunstâncias é normal que aumente a ansiedade, o medo, a irritabilidade e o desespero, que contribuem significativamente para o desenvolvimento de doenças mentais.
O que fazer?
Sugiro momentos brilhantes, de fascínio e de bem-estar a sós. Chamo-lhe a estratégia 3, 4, 5.
Estratégia 3, 4, 5:
- Todos os dias escreva num papel 3 coisas pelas quais está grato e 3 coisas pelas quais está orgulhoso no dia em questão. Não são grandes coisas, mas são só pequenos momentos que tornaram o nosso dia valioso por terem ocorrido;
- Pratique os 4 elementos a que aludi num texto anterior, que consiste numa técnica de relaxamento que nos foca no aqui-e-agora e nos relembra que nesse momento estamos em segurança e que possuímos as estratégias para lidar com o que nos acontece;
- Recorra aos 5 sentidos e aprecie o cheiro do café que está a tomar, o céu azul, o conforto de um banho, a música que está a ouvir, a delícia de uma boa refeição. Aguce a sua atenção a dezenas de detalhes diários que lhe transmitem pequenos prazeres.
O momento que partilho de seguida convosco surpreendeu-me. Só fã de café, apreciadora diária, uma grande praticante do seu consumo (agradeço ter a tensão sempre tão baixa que me permite este prazer). O primeiro café que bebi na rua após 6 semanas em casa inundou-me de uma sensação tão boa, tão agradável e tão prazerosa que me emocionei. Sabia que gostava muito de café, mas nunca imaginei emocionar-me ao beber um expresso, num mercado, em copo de papel, bebido a medo após ter tirado a máscara. Aquele café tornou o meu dia memorável. Quantos momentos ainda me aguardam se focar a minha atenção aos momentos de brilho?