Fui mãe e não estou bem. É normal?

Margarida Albuquerque e Gisela Guedes // Maio 21, 2021
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mãe normal
mãe normal

É comum associar-se maternidade apenas a felicidade. No entanto, a experiência mostra que são muitas as mulheres e casais que encontram nesta fase da vida uma realidade diferente. Será normal? Surpreendentemente sim! A boa notícia é que há estratégias para melhor lidar com os desafios para que o lado cor-de-rosa da maternidade não seja assim tão ofuscado.

O nascimento de um filho traz consigo momentos únicos, incomparáveis e até com toques de magia. Porém, esta ideia de felicidade teima em tentar esconder o outro lado da maternidade. Na verdade, esta fase requer um ajustamento na forma de pensar, sentir e no estilo de vida, e isso pode ser desafiante. Desde o momento em que se deseja engravidar, à gravidez, parto até ao pós-parto e ao «novo eu», os desafios desta transição de vida de mulher sem filhos para mulher mãe, ou mãe de um filho para mãe de dois filhos são imensos. Manter o bem-estar nesta fase da vida pode ser difícil e, por vezes, a doença mental aparece. Mesmo que não apareça doença, a saúde mental – que significa uma sensação de bem-estar, de qualidade de vida, de se sentir satisfeito – pode ficar comprometida. 

E pouco a pouco, desaparecemos. Desaparece a nossa identidade, desaparece a nossa vontade, desaparece o nosso tempo. (…) Tudo o que pensamos, comemos, vestimos, falamos, tem como epicentro o bebé e as suas necessidades. Há que encontrar o nosso Eu na aventura da maternidade.”

Testemunho de uma mãe

Os desafios da gravidez

Não é só em líquido amniótico que o bebé está envolto, mas também em emoções. Planeada, desejada ou não, a gravidez é sempre feita também de emoções e estas começam desde cedo a ter um forte impacto no dia-a-dia da mulher. Desde logo porque existe um acordo tácito na sociedade de que nas primeiras 12 semanas de gravidez, a boa-nova deve ser guardada dado o risco de a gravidez não evoluir favoravelmente. Ora, se para algumas mulheres isto é fácil de aceitar, para outras gera uma sensação de desconforto, medo e inquietação. Em alguns casos, leva a uma estranha sensação de solidão, numa fase que era supostamente de muita alegria e em que alguns sintomas físicos muito incomodativos (como cansaço ou náuseas) se manifestam. Se se sente desta maneira, saiba que não está sozinha. Não existem certos, nem errados. Faça aquilo que sente que está em harmonia com o que pensa

Também as mil e uma histórias que são partilhadas com as mulheres durante a gravidez podem ser fonte de grande ansiedade. Desde o tipo de parto, à amamentação, aos produtos para o bebé, dicas de educação e/ou gestão do dia-a-dia, tudo é tema de conversa. Pode acontecer que o façam para a prevenir ou por nenhum motivo em particular, normalmente pensando ser algo inócuo. Mas, na realidade, estão a ser causadores de emoções desagradáveis. Cada mulher reage diferentemente quando colocada na mesma situação, logo o mais importante é que transmita sempre aquilo que sente e deixe transparecer quando não está interessada em determinada opinião

20% das mulheres experimentam algum problema de saúde mental durante a gravidez e o pós-parto

É importante ter noção de que cerca de 20% das mulheres experimentam algum problema de saúde mental durante a gravidez e o pós-parto, sendo que em alguns desses casos se trata mesmo de doença mental. Ao contrário do que possa parecer, a maternidade não protege a mulher de doença e esta aparece sempre que há um desequilíbrio entre fatores protetores (suporte social, empoderamento, sentimento de integração, entre outros) e fatores de risco (isolamento, pobreza, violência, rejeição social, entre outros). A doença tem implicações não só na mulher, mas também no novo ser que aí vem. Por isso é tão importante saber que a ansiedade e depressão são as doenças mais comuns na gravidez. Se está grávida ou no período pós-parto ou se acompanha alguma mulher, alguma mãe nesse contexto, sempre que esta sinta ou pareça sentir: 

  • cansaço durante o dia que se acompanha de dificuldade em adormecer ou manter o sono; 
  • aumento ou diminuição do apetite; 
  • tristeza persistente com incapacidade de desfrutar de momentos de lazer;
  • preocupações constantes com a gravidez e com o bem-estar do bebé e/ou pensamentos negativos como de que «é um peso para alguém» ou «não anda cá a fazer nada»;

Peça ajuda. Comente o que sente com quem é próximo de si. Pedir ajuda é um ato de autoconsideração e uma preocupação indireta com o seu bebé. De seguida fale com um profissional de saúde com quem se sinta à vontade (o/a obstetra, o/a enfermeiro/a, o/a médico/a de família) para que lhe seja dada a ajuda adequada. 

O pós-parto como ele é

O parto é uma avalanche de emoções, de dores físicas e cansaço. Segue-se o período pós-parto em que oito em cada dez mulheres vão sentir os chamados baby blues nos dias que se seguem ao parto. Esta é uma condição que se caracteriza por irritabilidade, choro fácil sem motivo aparente e tristeza. Surgem três a quatro dias após o parto e desaparecem espontaneamente entre o 11.º e 14.º dia. Sendo uma condição tão comum e normal, é curioso que não seja assim tão conhecida… O tratamento para estes sintomas é de suporte, o que quer dizer que quem rodeia a mulher deve saber que isto acontece e, assim, dar-lhe o máximo apoio possível. Se os sintomas não desaparecerem ao final de 14 dias, pode estar a evoluir para uma doença. Novamente, a ansiedade e depressão são as mais comuns. Sempre que os sintomas se prolonguem no tempo, deve pedir ajuda a profissionais de saúde capazes de a orientar para um diagnóstico adequado e devido tratamento. 

Acabou a licença, o regresso ao trabalho

Finda a licença de maternidade, é tempo de voltar «à vida prévia». Mas, a vida prévia já não existe… O que existe agora é uma nova versão da mulher que se tornou mãe. Assim sendo, o regresso ao trabalho é novamente uma fase desafiante. Nem as próprias mulheres, nem os colegas de trabalho podem prever na totalidade como irá correr este retorno. É possível que a mulher sinta que perdeu capacidades técnicas, que não tem o mesmo ritmo de trabalho e até sentir alguma «culpa» por deixar o bebé para ir trabalhar. Tudo isso é normal e requer tempo para ajustamento. Nesta fase, é fundamental que se cultive o autocuidado para proteger a saúde mental.

Não existindo nada de errado em realçar a felicidade que a maternidade traz, reconhecer o que existe para lá desse lado é a melhor maneira de não deixar que o lado cor-de-rosa fique ofuscado.

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