Extrovertidos: o grupo de risco ignorado durante a pandemia

Ana Caetano // Abril 22, 2020
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Estudei os traços de personalidade extroversão v.s. introversão na faculdade e percebi o elementar do elementar para organizar a informação sobre os mais e os menos sociáveis. Considerando que vivemos numa sociedade em que ⅔ da população será extrovertida, e sendo eu extrovertida, nunca me dediquei a aprofundar como estes traços de caráter influenciavam o quotidiano. 

O poder dos introvertidos

Em 2012, ouvi uma palestra da autora Susan Cain que me despertou curiosidade. Falava sobre “O poder dos introvertidos”.

Na sequência dessa palestra li o seu livro “Silêncio” que me apresentou factos sobre a vivência dos introvertidos num mundo maioritariamente extrovertido.

O mundo dos introvertidos

A pouco e pouco comecei a interessar-me pelo mundo dos introvertidos: reservados, mas com um gosto pela profundidade emocional, aparentemente calmos, enquanto vivem um turbilhão de pensamentos e emoções, avessos a grandes concentrações de pessoas, mas de uma capacidade reflexiva admirável.

Extroversão v.s. Introversão

Há muitas definições de introversão e extroversão, sendo que adotei uma que me organiza o pensamento, embora possa ser redutora: os introvertidos são muito sensíveis a estímulos e os extrovertidos precisam de estímulos. Num casal em que um é introvertido e o outro extrovertido, pode ser difícil conciliar estas duas necessidades. Enquanto um introvertido prefere jantares com quatro pessoas e um Sábado à noite perfeito é em casa, o extrovertido precisa de festivais e saídas continuadas. É difícil ajustar um equilíbrio em que o introvertido se pode sentir violentado por estímulos e o extrovertido anulado na ausência dos mesmos.

Precisamos de ter em atenção que raramente somos puramente intro|extrovertidos: somos como uma paleta de cores em que há tons mais carregados que outros. Sugiro aqui um website que apresenta um teste muito fiável sobre os nossos tons característicos. Eu, por exemplo, confirmei a minha extroversão. Costumo dizer que ser introvertido ou extrovertido é equivalente, por exemplo, a ter nascido com os olhos azuis e a pele branquinha: não é bom ou mau, apenas orientador caso estejamos numa praia escaldante e precisemos de uma dose extra de protetor solar.

Observei meticulosamente as pessoas no consultório e a maioria era introvertida.

Nos últimos 8 anos, observei meticulosamente as pessoas no consultório e a maioria era introvertida, invertendo a proporção de ⅔ apontada ao mundo real. Ensaiei várias respostas para perceber o “porquê”, tendo percebido até ao momento o seguinte: um bebé introvertido nasce com uma sensibilidade acentuada a sons, temperaturas, luminosidade, cheiros, entre outros estímulos. Ao longo da sua existência vai aprender a observar e a planificar cautelosamente cada ação sua de modo a sentir-se seguro. 

Se imaginarmos a quantidade de estímulos com que convivemos diariamente, percebemos como um introvertido pode andar em tensão constante. Acresce as muitas vezes que se sentem estranhos, esquisitos, picuinhas, desadequados, uma vez que “não-são-tão-mexidos-tão-aventureiros-tão-sociáveis” como os irmãos, primas, filhos dos amigos. Ouvem os professores comentar que lhes dariam melhor nota, mas eles não falam nas aulas; outros apelidam-nos de muito sérios, tristes, autênticos “bichos-do-mato”. Ao longo da vida interiorizam que há algo de profundamente errado consigo próprios.  

Lembremos que estas pessoas desde muito cedo observam o mundo por questões de segurança e conforto, tendo outra consequência: a sua capacidade de pensar é amplamente treinada. Assim, é comum não se sentirem integrados nos seus grupos de pares e terem receio de serem rejeitados. São muitas vezes alvo de bullying reforçando a ideia de que há algo de errado na sua essência. Daí ser comum procurarem ajuda psicológica. 

E eis que pela primeira vez este grupo silencioso, reservado, cauteloso está em clara vantagem! Ao nos pedirem para adotarmos um estilo de vida enclausurado como é o caso de uma quarentena, para eles é algo natural. Tenho ouvido muitas vezes ao longo do último mês: “Ana que maravilha! Não sentir a pressão de sair, de fazer coisas, de poder viver no meu ritmo!”. Se existe um casal introvertido|extrovertido, um está tranquilo, sorridente e o outro com a sensação de que perdeu a sua liberdade.

Em tempos de pandemia, os extrovertidos são um grupo de risco.

E aqui percebi que os extrovertidos eram um grupo de risco: estão limitados na sua obtenção de energia vital. Precisam de circular, de ver pessoas, fazer exercício, trocar ideias de forma espontânea com o colega do lado, sair à noite. Claro que há introvertidos com estas necessidades também, mas numa escala diferente. E numa quarentena, com um vírus que castra a espontaneidade e os dias maiores da Primavera muitas destas pessoas podem estar irritáveis, mal dispostas, com dores de cabeça, sem vontade para nada, impacientes, só para mencionar alguns aspectos. E pedirem-lhes para ter calma não vai ajudar, mas antes aumentar a irritabilidade

Um estado de espírito com estas características é meio caminho andado para atitudes imprudentes: sair desnecessariamente da quarentena, sem tomar as precauções necessárias para evitar contágios. Os italianos e espanhóis, bem mais extrovertidos, demonstraram bem como o comportamento humano pode ser imprudente perante circunstâncias tão perigosas.

5 dicas para evitar a inquietude:

  • A quarentena é temporária: viva um dia de cada vez, concentre-se numa tarefa de cada vez;
  • Ouvir música e dançar é das melhores formas de harmonizar o sistema nervoso;
  • Use as redes sociais para tomar um café/uma cerveja com os amigos ou marque sessões conjuntas de culinária e desporto;
  • Pergunte a alguém com características reservadas como se lida com tanto isolamento;
  • Consulte a página de Susan Cain para aprofundar o seu lado introvertido.

Aproveite este momento único na história universal para treinar capacidades reflexivas e empatia para com os introvertidos. Num momento em que o mundo nos exige clausura, poderemos perceber a forma como aqueles se adaptam constantemente a um contexto que, em circunstâncias normais, contraria as suas necessidades de silêncio, sossego e momentos reflexivos. 

Este é o momento dos introvertidos. Cuide de si, enquanto extrovertido!

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