Exagerei nas férias, e agora? Que desporto devo fazer?

Ginásio Clube Português // Agosto 30, 2020
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Férias são férias e nada como uma pausa na nossa rotina para relaxar, passear, fazer o que mais gostamos e com quem mais gostamos. A minha opinião, que em tom de confissão transmito aos meus alunos, é que nestes dias nos podemos “portar menos bem” e cometer alguns “pecados”, quer a nível alimentar, quer a nível de treino, pois teremos o resto do ano para nos “portarmos exemplarmente” a esses dois níveis. Mas muita atenção à parte final desta última frase: o importante é que regularmente, durante o nosso dia-a-dia, os hábitos de vida saudável estejam sempre presentes, e que este, quero acreditar, seja também o vosso caso. Sucede que após esta pausa, já com as baterias recarregadas, cheios de energia e prontos a voltar à rotina, possivelmente, deparamo-nos com uns quilinhos a mais, um nível de resistência física mais baixo e uma forma física menos atlética (caso tenha parado de treinar). Nesse caso, que tipo de desporto poderá fazer para reverter todos os efeitos dessa pausa regeneradora?

Antes de mais, é necessário ter em conta a frequência e o tipo de exercício físico que realizava antes da paragem, a duração da mesma, bem como a repercussão que essa paragem teve no seu corpo. Todos estes fatores irão influenciar a sua opção. Certamente, e a título de exemplo, o tipo de desporto indicado para reverter os efeitos “negativos” do período de inatividade física será diferente entre uma pessoa com um estilo de vida normalmente sedentário e uma pessoa bastante ativa, ou entre quem teve um período de férias (de inatividade física) de uma semana comparativamente com os que tiveram uma paragem mais prolongada (por exemplo, um mês), bem como ainda entre aqueles cuja paragem significou um ganho de peso de três quilos, em massa gorda, com os que, essencialmente, sentiram uma perda acentuada de resistência a nível cardiorrespiratório.

3 Dicas para retomar a atividade física pós-férias:

1. Sedentário vs ativo

Caso seja uma pessoa sedentária, ou seja, mesmo antes das férias não tinha uma rotina desportiva ou de exercício presente no seu dia-a-dia, recomendo aconselhar-se com um técnico especialista em exercício físico preferencialmente com um Fisiologista do Exercício (profissional com formação superior). O início de qualquer prática desportiva deverá ser orientada, idealmente precedida de uma avaliação médica e da condição física, para que este aconselhamento da atividade ideal seja efetuado de forma consciente, adequado e seguro. Certamente, irá iniciar uma atividade em intensidades mais baixas, dando prioridade ao desenvolvimento de uma condição física “base” a nível de força muscular e resistência aeróbia e à aquisição dos gestos/movimentos básicos essenciais, para posteriormente evoluir para uma prática mais exigente e performances mais altas.

No caso de ser uma pessoa ativa, e que apenas teve um ligeiro interregno da sua prática desportiva habitual, deve ter em conta a duração dessa interrupção para se certificar se esse período foi o suficiente para gerar alterações significativas na sua condição física.

2. Que benefícios pretendo ter? Que exercício faço? 

O ganho de gordura corporal é uma consequência comum após o cessar mais prolongado da atividade física, pois o tecido adiposo tende a armazenar mais energia. Este aumento pode agravar ainda mais com um “alívio” dos cuidados alimentares saudáveis. Também nas componentes cardiorrespiratória e da massa e força muscular, quanto maior for o período de inatividade, maiores vão ser as perdas a estes níveis.

No que respeita à tipologia de treino, é sabido que o trabalho de força muscular é essencial tanto na preservação e aumento da massa muscular como no controlo e redução da massa gorda corporal, uma vez que, mesmo após o seu término, o consumo energético mantém-se elevado. Neste tipo de treino é fundamental que o músculo seja sujeito a exercícios que lhe provoquem um estímulo acima do normal e que tenha de desenvolver níveis de força superiores, com o auxílio de materiais ou apenas com o peso corporal.

Outro aspeto a ter em conta é o volume de treino necessário para desencadear os ganhos pretendidos ao nível da redução da gordura corporal, do aumento da massa muscular ou da melhoria da capacidade aeróbia. Por volume de treino deve entender-se o número de vezes que terá de treinar numa semana, a duração de cada sessão de treino e a sua intensidade.

Dependendo da sua condição física atual, poderá “cozinhar-se” estas duas variáveis (tipologia e volume de treino) e determinar a “receita” para o momento. A elaboração desta “receita” deve assentar nas recomendações gerais para a atividade física, transversais a qualquer adulto que pretenda ser ativo:

  1. Prática de exercício de intensidade moderada, entre de 150 a 500 minutos/semana ou de exercício de intensidade vigorosa, entre 75 a 150 minutos/semana;
  2. Combinação dos dois tipos de exercício anteriores;
  3. Treino de força, pelo menos dois dias/semana, trabalhando os maiores grupos musculares.

Em termos objetivos e simplistas, para começar a ser ativo e retirar os benefícios de saúde da prática de exercício, terá de dividir, no mínimo, 2 horas e 30 minutos (150 minutos) de exercício aeróbio moderado (como exemplo, uma caminhada que o deixe com uma respiração ofegante, mas que lhe permita manter uma conversa) pelos dias da semana que tem disponíveis para treinar, conjugando-o com uma série de exercícios de força, em dois destes dias.

Num nível de condição física mais avançado, em que o tempo de “férias” não tenha sido demasiadamente prolongado e os efeitos menos bons não se tenham manifestado de forma acentuada, poderá optar por outras formas de otimizar o volume de treino, como, por exemplo, fazendo treinos HIIT (high-intensity interval training), que demonstram ter melhores resultados ao nível da pressão arterial, resistência à insulina, composição corporal e dos ganhos de capacidade cardiorrespiratória comparativamente a treinos contínuos de intensidade moderada. Este tipo de treino é também vantajoso por não necessitar de longos períodos de tempo (bastam 30 minutos!) e utilizar séries de exercícios de força e/ou aeróbios de intensidade mais elevada, intercalados com pausas de recuperação. Com este método, irá atingir as intensidades mais vigorosas presentes nas recomendações acima mencionadas.

Importa ainda salientar que, no caso de praticar alguma modalidade desportiva, as recomendações anteriormente referidas podem igualmente ser aplicadas, nomeadamente na componente do volume de treino – frequência de treinos, duração e intensidade –, ajustadas à modalidade em questão.

Resumindo, a sua opção pelo tipo de treino a realizar deve ter em conta: primeiramente, o seu atual nível de condição física e depois a aplicação das recomendações gerais para a prática de atividade física ajustadas às variáveis de treino.

3. Tente conjugar a necessidade com o prazer

No ponto anterior pensou no que pretende recuperar/melhorar e ficou elucidado como o poderá fazer. Agora, o ideal é escolher uma atividade (ou até conjugar duas! A junção de duas atividades distintas e complementares só tem benefícios) que possa colmatar as suas necessidades e que, ao mesmo tempo, lhe dê prazer e satisfação. Apesar da prática de exercício físico despoletar, por si mesma, uma sensação fisiológica de satisfação e bem-estar, esta será ainda maior se gostar do que está a fazer.

Como sabe, é importante e fundamental dar o descanso ao seu corpo e mente, não só, mas sobretudo nas férias. Mas atenção que férias são só mesmo um período curto e limitado do ano. É fundamental no término deste período pensar e estruturar o re/início da sua atividade desportiva, para ir ao encontro dos seus objetivos de forma rápida, eficaz e segura. Para tal não se iniba e peça ajuda a quem mais entende do assunto, os técnicos de exercício físico/treinador. Estes possuem as competências essenciais e mais acertadas para o iniciar ou reintegrar na rotina desportiva.

Bom regresso!

Alexandra Silva

[Fisiologista do Exercício, Licenciada em Ciências do Desporto – Ramo Exercício e Saúde. Coordenadora Técnica da Direcção de Exercício e Saúde do Ginásio Clube Português (GCP); Professora responsável pelo Programa de Pré e Pós-Parto do GCP]

Bibliografia:

-ACSM (2018). ACSM’s Guidelines for exercise testing and prescription, 10th Edition, Philadelphia: Worters Kluwer;

– ACSM (2014). ACSM Information on high intensity interval training. Retirado daqui;

– Vecchio, F. B. D., Galliano, L. M., Coswig, V. S. Aplicações do exercício intermitente de alta intensidade na síndrome metabólica. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde., Vol. 18, No.6 pp. 669-687, 2013;

– Campbell, W. W., W. E. Kraus, K. E. Powell, W. L. Haskell, K. F. Janz, J. M. Jakicic, R. P. Troiano, K. Sprow, A. Torrers, K. L. Piercy, and D. B. Bartlett, for the 2018 Physical Activity Guidelines Advisory Committe. High-Intensity Interval Training for Cardiometabolic Disease Prevention. Med. Sci. Sports Exerc., Vol. 51, No. 6, pp. 1220–1226, 2019;

– Vecchio, F. B. D., Coswig, V. S., Cabistany, L. D., Orcy, R. B., Gentil, P. Effects of exercise cessation on adipose tissue physiological markers related to fat regain: A systematic review. SAGE Open Med., Vol. 8, pp. 1-14, 2020

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