Quando estamos à beira do abismo

Fátima Lopes // Fevereiro 2, 2017
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Agitação, cansaço persistente, dificuldade em se concentrar, irritabilidade, tensão muscular e problemas de sono são-lhe familiares? A expressão “Sinto-me no limite” adequa-se ao que sente na maior parte dos dias? Se estes sintomas lhe são demasiado familiares, poderá estar com um problema de ansiedade crónica e provavelmente deverá procura ajuda junto do seu médico.

Sentir ansiedade em algumas situações do dia a dia é normal e eu diria até que é bom sinal. Mostra que temos coisas importantes para fazer e que nos preocupamos com o resultado das nossas ações em relação a essas situações. É normal que um estudante se sinta ansioso na véspera de um exame importante, ou que um atleta fique ansioso antes de entrar em campo para disputar uma final de uma qualquer competição – ou mesmo em relação a coisas menos positivas como um problema no trabalho, é normal que provoque alguma ansiedade e preocupação. Mas a pessoa com um problema crónico de ansiedade não sente isso de uma maneira temporária – sentem preocupação excessiva a maior parte do tempo e isso afeta a maior parte das suas atividades diárias.

Existem várias formas de a ansiedade crónica se manifestar. O mais habitual é a ansiedade crónica GENERALIZADA. A pessoa tem preocupação excessiva com quase tudo e a toda a hora na sua vida. Os sintomas mais comuns incluem um desassossego permanente, grande dificuldade de concentração (têm muitas vezes “brancas” de memória), irritabilidade e grande dificuldade em controlar a sua preocupação, o que causa alterações na qualidade do sono e uma tensão muscular exagerada, que lhe provocam fadiga e cansaço – habitualmente são as pessoas que se sentem mais “à beira do abismo”.

Existe outra forma de ansiedade igualmente preocupante, em que é frequente os doentes que sofrem dela fazerem visitas aos serviços de urgência. Estas pessoas sofrem dos chamados ATAQUES DE PÂNICO – têm surtos inesperados de ansiedade que se manifestam com um medo intenso e sem explicação aparente, ficam com palpitações (o coração a bater muito), suores frios, tremores e, por vezes, têm mesmo a sensação de falta de ar ou de que estão a sufocar. É comum estas pessoas passarem a evitar as situações e locais onde tiveram os seus ataques de pânico e por isso muitas vezes vão-se sentindo cada vez mais limitados na sua vida.

Existem outras formas de ansiedade – que se manifestam em relação a locais, objetos ou animais específicos. Chamamos-lhe muitas vezes fobias, quando se manifestam no seu máximo e impedem a pessoa de fazer a sua vida com normalidade.

A investigação sobre a causa destes problemas tem revelado que existe uma associação de fatores que contribuem para que as pessoas sofram deste problema. Pessoas tímidas ou que tiveram problemas traumáticos, são as que mais probabilidade têm de sofrer desta doença. Sendo uma doença do foro mental, que se manifesta com muitos sintomas físicos, é habitual que os doentes a escondam o mais possível dos seus amigos e colegas de trabalho. A pessoa com doença mental é ainda hoje muito mal vista socialmente. O doente continua a ser visto como responsável e culpado de padecer deste problema. Estas doenças estão em franco crescimento no mundo ocidental e em especial no nosso país. Portugal tem das mais altas taxas de utilização de benzodiazepinas – medicamentos habitualmente conhecidos como calmantes. A depressão e a ansiedade crónica – doenças que habitualmente “vivem” juntas – provocam mais incapacidade nas pessoas do que outras doenças, teoricamente mais perigosas como o cancro.
A base do tratamento destes problemas é a psicoterapia ou terapia cognitivo-comportamental, habitualmente feita com psicólogo ou médico com formação nessa área. A medicação é uma preciosa ajuda para controlar os sintomas e possibilitar à pessoa regressar mais rapidamente às suas atividades normais, livre de sintomas.

As chamadas técnicas de controlo da ansiedade e stress são reconhecidas pelas principais organizações médicas internacionais como um excelente complemento ao tratamento e provavelmente uma das melhores formas de prevenção destas patologias. A meditação e o exercício físico são recomendadas pelo Instituto para a Saúde Mental Americano (NIMH) para aumentar a eficácia do tratamento. Ainda segundo este Instituto, a medicação não cura a ansiedade mas ajuda a controlar os sintomas – o mesmo fui percebendo eu na minha prática diária. Os medicamentos de facto são uma preciosa ajuda para que as pessoas fiquem funcionais e consigam manter um ritmo de vida estável, mas não são uma solução.
Outros tratamentos como é o caso da acupunctura, parecem ser benéficos, mas ainda precisam de estudos maiores e mais fidedignos, para que se possa atribuir o sucesso do tratamento “às agulhas” – na minha prática, sempre que possível aconselho a pessoa a conjugar as várias alternativas que pareçam benéficas – entre elas, a medicação e a psicoterapia são a base, mas sempre que possível junte a acupunctura. Claro que nessas consultas onde é feita acupunctura, existe uma grande e repetida interação com os pacientes e portanto o efeito benéfico da relação médico doente é multiplicado por todos estes encontros seguidos.

De facto, esta como tantas outras doenças crónicas, precisa de uma conjugação de fatores para que a pessoa fique “curada” – se o problema está dentro de si, a solução também está dentro de si.
Dentro de si está o controlo respiratório, está a vontade de fazer exercício, de olhar para as diversas dificuldades da vida como desafios e com isso melhorar o “terreno” onde vai crescer a sua árvore da saúde (uma expressão que vamos aprofundar nas próximas semanas).
O apoio da família e amigos é essencial, mas é preciso que mantenham uma atitude de apoio que seja equilibrada de modo a não incentivar a perpetuação dos sintomas. A pessoa precisa de sentir o apoio, mas também tem de ser ela a trabalhar para ultrapassar a situação.

Nesta altura, Portugal é um dos países onde mais se utilizam “calmantes” e antidepressivos. O desafio é recorrer aos conselhos que vamos apresentando nesta plataforma de forma a escapar a esta armadilha dos tempos modernos: a ansiedade crónica. Melhore a sua alimentação, cuide do seu repouso, faça exercício e utilize as técnicas de controlo de stress para prevenir que venha a sentir-se “à beira do abismo”.

Saúde para todos,

José Fernando Santos

josefsantos@docnurse.pt

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