Grande parte de nós já terá questionado o seu grau de felicidade antes e depois da COVID-19 ter chegado, e muitos terão chegado à conclusão que, se calhar, até tinham motivos para o ser, correndo agora o grande risco de continuar a não ser. Afinal, a COVID-19 traz-nos as maiores dificuldades que talvez já tenhamos passado e talvez sintamos de forma generalizada que estamos a viver os momentos mais duros das nossas vidas. Éramos felizes e não sabíamos?
O mundo está frágil, meio perdido, completamente incerto e tudo parece fugir de um ideal de saúde e bem-estar.
Perdemos os que fazem parte de nós e da nossa história, contaminamos os que mais amamos sem saber que o fazemos, meio mundo está doente e outro tanto com medo de estar. Há empresas a fechar diariamente, as ruas estão vazias de turistas e de vidas, os restaurantes estão fechados e as esplanadas têm as cadeiras vazias. As escolas oscilam entre a esperança e o medo e nem conseguimos perceber o que escondem crianças e jovens por detrás das máscaras. As brincadeiras são contidas e algumas gargalhadas abafadas.
As grávidas estão sozinhas nas maternidades e nas salas de parto no momento em que mais precisam de uma mão que lhes aqueça o coração, os doentes hospitalizados não recebem visitas, os cuidados paliativos estão vazios das presenças que dão significado ao fim de cada história que cada cama acolhe. Os idosos estão cada vez mais sós e entregues a um tempo sem tempo para o conforto de um abraço e a magia de um beijo. As universidades estão sem luz, movimento e futuro. As salas de espetáculo deixaram de ser espaços para refletir e rir sobre tudo o que somos e temos e estão elas e os seus artistas em plenos cuidados intensivos.
Sempre pensámos no futuro, mas nunca o tememos tanto.
Nunca pensámos tanto que éramos felizes e não sabíamos. Afinal, já sentimos hoje que para sermos felizes só precisamos de andar na rua quando queremos e quando nos apetece, com o rosto livre e destapado e de dar um grande abraço e um beijo repenicado aos que mais gostamos. Afinal, é nos abraços, nos beijos e na presença humana que está aquilo que de facto nos traz significado e valor.
Afinal já tínhamos o essencial e não dávamos valor. E agora?
Agora, mais do que nunca, precisamos de aceitar, um dos convites que a COVID-19 ironicamente nos traz, que é aprender a viver o presente, o agora, o momento. Nunca o amanhã foi tão incerto.
Achamos sempre que a felicidade vem com o que não temos, com o que não somos e com os que não temos. Achamos, grande parte das vezes, que vamos ser felizes quando alguma coisa chegar ou outra passar. No entanto, à força, é esclarecedor que a felicidade não vem com nada e, por mais que fique dissolvida no que chega, é alimentada essencialmente pela forma como escolhemos ver, sentir e agir no nosso mundo.
Éramos felizes?
Se não víamos a felicidade no que tínhamos, podemos correr o risco de não a estarmos a ver agora, e de não a continuarmos a ver depois de tudo isto passar. A felicidade mora nas pequenas coisas, na consciência presente e no que escolhemos fazer hoje. Mais do que sentir a felicidade, a felicidade é uma construção que resulta de ações, de um olhar meio cheio, de um encontro de paz dentro de cada um de nós, no saborear agora o que estamos a fazer por muito que nos pareça que o melhor está sempre para vir.
A felicidade não nasce numa linha reta, mas na forma como escolhemos trilhar a linha sinuosa da vida, com baixos e altos, com incertezas constantes, com a resiliência necessária para assumirmos a responsabilidade pelo que escolhemos fazer agora.
A COVID-19 despiu-nos e mostrou-nos as nossas verdadeiras vulnerabilidades.
A COVID-19 despiu-nos e mostrou-nos as nossas verdadeiras vulnerabilidades, também elas presentes nas vidas que já eram felizes. Despiu-nos porque nos sentou em casa e nos convidou a olhar para o que tínhamos dentro dela, dentro de cada um de nós e que mundo conseguimos ver das nossas janelas.
A felicidade não virá depois de tudo isto passar…
A felicidade não virá depois de tudo isto passar se não nos mobilizarmos hoje para encontrarmos dentro de nós motivos para agradecer e para sorrir, a necessidade de simplificar e desapegar do que não controlamos, as ferramentas necessárias para vivermos com a imprevisibilidade da vida constante. Se não conseguirmos identificar as nossas verdadeiras necessidades, forças e o que é realmente importante, necessário e prioritário. A felicidade não vem com ninguém nem com nada, embora possa ficar profundamente abalada com os que perdemos e com as condicionantes da vida.
A felicidade nasce nos momentos simples.
Na forma como escolhemos olhar para o que nos chega e é alimentada no coração pela forma livre, grata e simples pela forma como escolhemos olhar. Sentir e viver primeiro no nosso mundo interior e depois no mundo que vive fora de cada um de nós.
Nota: Fotografia destaque por Verónica Silva