Era assim com o pai…

Cristina Santos Costa // Março 19, 2017
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Aquele caminho conhecia-se palmo a palmo.

Cada terra era uma estação das muitas que se faziam sem paragem para entrada e saída de passageiros. Éramos sempre os mesmos, distribuídos pelos mesmos lugares, achando eu que, logo a seguir ao lugar da minha mãe era logo atrás do condutor o lugar mais importante. A mim cabia-me o que sobrava, afinal tinha sido a última a chegar àquela família.

Faziam-se as viagens como quem partia para o fim do mundo. As malas a sobrarem no espaço que lhes era concedido. Eram horas de impaciências com a eterna pergunta atirada para a frente “ainda falta muito?”.

Curvas a seguir a mais curvas e finalmente uma paragem em Coimbra. A entrada no café, sempre no mesmo café onde um empregado vestido a rigor perguntava “o senhor doutor não deseja mais nada”? E nós incrédulas “aqui chamam doutor a toda a gente” explicava o meu pai, homem de poucas palavras que “atuava” apenas com duas intervenções no festival de cantigas em que transformávamos aquela viagem. “É para não enjoarem” afiançava o meu pai.

Foi assim durante anos.

Deixou de ser com as auto-estradas e as viagens cada vez mais frequentes porque as distâncias haviam sido encurtadas por aqueles braços enormes de alcatrão.

Aquela não era a terra do pai Artur. Mas aquele era o seu ninho. Aquele o seu jardim onde uma tesoura de poda lhe alegrava as mãos sempre atrás de uma galho mais rebelde. E atilhos, gostava de atilhos a prender tudo o que se desviasse daquele que considerava ser o crescimento esperado das árvores que plantou e foram crescendo. Sabia-lhes os nomes, gostava delas e parava a gostar-lhe das cores, dos cheiros.

“Já viste como cresceu o lilazeiro?” perguntava com um sorriso que lhe nascia nos olhos.

O pai Artur continua a existir nos nossos sonhos, na nossa vida e acho que estando a olhar lá de cima continuará  gostar das suas árvores, daquele cantinho pequeno a que chamava seu.

Hoje continuamos a ir lá, cheirar a relva molhada, abraçar as árvores como se o abracássemos a ele.

Mas hoje somos só nós e à noite “ali quando se tranca o portão cai o silêncio e guarda-se a paz “.

Era assim com o pai Artur …

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