E se os tempos de crise nos ajudassem a desenvolver a nossa Humanidade?

Maria Palha // Maio 14, 2020
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As situações de crise, como a que vivemos neste momento com a COVID-19, impactam em diversas dimensões das nossas vidas: social, emocional, profissional, espiritual, económica… Dependendo do percurso e desenvolvimento pessoal de cada um, podemos sentir que “tudo desmoronou” ou, pelo contrário, encontrar um sentido para o que está acontecer.

Se há algo que nos distingue enquanto espécie é a nossa resiliência para lidar com momentos de adversidade.

Ser resiliente é…

Quando se fala de saúde emocional num momento de adversidade, não há um paracetamol que acabe com todos os males, mas há, sim, uma série de técnicas de autocuidado que nos permitem ajustar à situação e posteriormente re-definir uma nova história.

Confesso que assisto a muitos casos destes quando intervenho em contextos de crise humanitária. A Amina que depois de ter decidido deixar de viver, conseguiu encontrar nas refeições para os soldados da linha da frente uma razão forte para se agarrar à vida; O Hamed que, sendo um líder de grupo Armado, se emociona pela primeira vez ao ver o seu filho de apenas 8 anos a ajudar os colegas a retirarem os corpos dos escombros ou o Alexandre que, após anos a trabalhar com populações em crise, se apercebe da sua fadiga por compaixão e, por isso, decide mudar o rumo profissional e dedicar-se à educação.

Cruzei-me com muitas, mas muitas histórias destas. Embora as relembre sempre noutra língua, neste momento assisto ao mesmo, mas nas minhas pessoas, nos meus vizinhos, no meu País, em Português.

Como lidar com momentos de grande carga emocional?

A ciência mostra-nos que as emoções têm uma função adaptativa e, como tal, contêm mensagens que nos ajudam sobreviver, especialmente em momentos de adversidade. Porém, sei por experiência de terreno, que muitas vezes não conhecemos tão bem a nossa saúde emocional como a nossa saúde física e por isso assustamo-nos com muitas reações emocionais típicas destes períodos, e comumente demoramos mais tempo a conseguir dar um novo sentido ao momento. 

A intensidade emocional  faz parte de um conjunto de reações comuns/saudáveis  numa situação que crise, e se soubermos o que significam, conseguimos  não ter uma agravamento de sintomas ou recorrer a ajuda especializada, mas se o ignoramos, podemos agravar a situação e adoecer emocionalmente.

O medo, a ansiedade e a preocupação são o pontapé de saída para a nossa salvação.

O medo, a ansiedade e a preocupação são difíceis de gerir, sem dúvida. Mas significam que estamos perante uma ameaça de vida. De perigo! São o pontapé de saída para a nossa salvação. Neste caso, é o medo que nos impulsiona a recolher o máximo de informação necessária à sobrevivência, medidas de proteção, informação de sintomatologia e sistema de referência em caso de doença.

A zanga e a agressividade são emoções que nos impulsionam para a acção, para a mudança.

A zanga e agressividade são emoções de ação, de energia. E neste caso significam que temos que “dar um murro na mesa” a padrões antigos, não às pessoas que estão ao nosso lado. É a zanga que nos permite implementar mudanças. E, neste caso, pode dar-nos a energia que precisamos para introduzir novos hábitos na condição em que nos encontramos. 

O que fazer em caso de zanga ou irritação?

Frequentemente nestes casos a zanga é mal usada, é dirigida ao outro, e, por isso, há muitos conflitos (as pessoas focam-se na forma diferente que cada um vive a situação e não no que tem em comum). Não é um momento de tomada de decisões definitivas, de quebrar laços com pessoas que nos eram tão importantes antes desta situação. Por isso, em caso de zanga ou irritação, a sugestão é introduzir paciência e compaixão nas relações com os outros

Livro “Emocionar – Um kit saúde emocional para famílias” (Editora Penguin, Outubro 2019)

No “kit de saúde emocional”, que criei com crianças dos 13 países, uma das dicas sugeridas pelas crianças para aumentar a paciência é: «respirar fundo e repetir para si mesmo “eu sou forte para esperar por…” ». E ao nível da compaixão é: «repetir para si mesmo “Tal como eu, esta pessoa está a tentar assimilar todas estas mudanças, lidar com esta situação” ».

Qual o papel da tristeza?

Olhemos para a tristeza, esta significa que perdemos alguém, uma coisa, uma situação ou um objeto que era importante para nós. A tristeza surge com uma missão muito clara, ajuda-nos a identificar o que de facto é importante para nós e isto redefine valores. 

Às vezes, por falta de tempo, agimos em piloto automático sem refletir sobre a razão que estamos aqui, o sentido da nossa vida. E a tristeza é um virar do avesso, e ver que o avesso é o lado certo das coisas. A tristeza aproxima-nos do sentido de propósito. 

Posso partilhar que, nas entrevistas às crianças para a criação do “kit saúde emocional para famílias”, a maioria das crianças conseguia responder à pergunta: “Porque razão estamos aqui?”. “Para cuidar dos outros, para fazermos bem”, respondiam. Então, pergunto: em que momento se tornou tão difícil para nós dar uma resposta e refletir sobre a nossa essência, o nosso sentido de vida?

8 sinais que deve ter em atenção:

O agente de saúde pública conhece as medidas de autocuidado que pode implementar neste momento, sabe quando procurar e onde encontrar ajuda especializada. Aqui ficam alguns sintomas que, caso não sejam passageiros, podem beneficiar de ajuda especializada:

  • Insónias e estado de ansiedade intenso; 
  • Incapacidade para manter uma rotina; 
  • Dificuldade em cuidar de si (alimentar-se, higiene..etc..); 
  • Isolamento ou conflitos exacerbados; 
  • Pensamentos desesperançados e generalistas; 
  • Aumento do consumo de álcool, tabaco e/ou drogas; 
  • Automedicação;
  • Queixas físicas, sem causas físicas!

Por um bem-estar comum, criemos o nosso kit de saúde emocional. 

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