E se a dislexia fosse um superpoder?

Semear Valores // Abril 3, 2022
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Quando se fala em dislexia é habitual apenas pensarmos em crianças com dificuldades de aprendizagem, que leem mal, escrevem com erros e que necessitam de apoios pedagógicos acrescidos e adaptações na avaliação. Mas, poucos falam daquilo que a dislexia traz de positivo. 

A dislexia frequentemente resulta de uma alteração ao nível do neurodesenvolvimento, que torna mais difícil a aprendizagem da leitura e da escrita, sem afetar a capacidade intelectual. Contudo, há características que a dislexia origina que são mais-valias diferenciadoras para a criança e para o jovem do ponto de vista cognitivo.

Mais-valias da dislexia

Um indivíduo com dislexia tem frequentemente melhor capacidade de deteção de padrões do que um indivíduo neurotípico, ou seja, sem dislexia. Tem também melhor capacidade de deteção de elementos intrusos num grupo ou melhor capacidade de deteção de atividade na visão periférica. Estes “superpoderes” tornam as pessoas disléxicas extremamente valiosas em meios como a astrofísica ou os serviços de informação secretos, que prezam muito analistas disléxicos. Tudo porque estes indivíduos têm maior facilidade para detetar padrões na observação do universo; melhor capacidade para detetar regras e ordem onde os outros apenas veem ruído e confusão. E porque é isto um superpoder? 

Contributos de disléxicos famosos

É importante falarmos do papel dos indivíduos neuro divergentes no desenvolvimento e crescimento da espécie humana, e especialmente da cultura e ciência Humana. No campo da psicologia evolutiva existe a crença que estes indivíduos têm desempenhado um papel fundamental no avanço das civilizações e do conhecimento humano.

Se olharmos para alguns disléxicos famosos, como Albert Einstein (disléxico provável, com historial de dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita no ensino básico), Leonardo da Vinci (disléxico provável, com dificuldades ortográficas severas presentes na sua produção escrita, com produção de imensas paragrafias homófonas – por exemplo: escrever “caza” em vez de “casa”), Steve Jobs (diagnóstico contemporâneo de dislexia) ou Richard Branson (diagnóstico contemporâneo de dislexia), percebemos bem esta crença sobre o papel dos indivíduos neuro divergentes na evolução da qualidade de vida da espécie Humana. Um outro exemplo de super-heróis que conseguiram crescer acima de quaisquer dificuldades originadas pela dislexia são José Saramago ou Ernest Hemingway, ambos disléxicos e ambos laureados com o prémio Nobel da Literatura! 

Como desbloquear os superpoderes das crianças e jovens com dislexia?

Para que a dislexia se torne num superpoder para toda a Humanidade, estas pessoas têm primeiro que desbloquear outros superpoderes e é aí que os pais e os educadores entram em ação. É importante ajudarmos as nossas crianças e jovens disléxicos a desenvolverem forças de carácter como a Criatividade, o Gosto pela Aprendizagem, a Persistência, o Entusiasmo e a Esperança, que lhes vão permitir desbloquear o seu verdadeiro superpoder criativo e modificador em adulto. Crianças e jovens com dislexia terão sempre de trabalhar com mais esforço que os seus colegas durante o ensino básico para terem o mesmo nível de rendimento. Será cultivando este tipo de forças de carácter que nós vamos conseguir ajudá-los a desbloquear todo o seu verdadeiro potencial em adulto.

O papel dos pais é fundamental para desenvolver nos filhos a autoconfiança e o reconhecimento das suas qualidades mais positivas, que lhes permita enfrentar as suas dificuldades e manter uma mentalidade positiva e construtiva perante o seu futuro e o seu papel relativamente aos seus pares e na sociedade em geral.

Um mapa que pode fazer a diferença

O Modelo das Virtudes e Forças de Caráter desenvolvido por Martin Seligman e Chris Peterson (2004), fornece um enquadramento aplicável também às situações desafiadoras e exigentes que as crianças e jovens disléxicos podem encontrar. A prática dos comportamentos e atitudes associadas a cada uma das seis virtudes, preconizadas neste modelo, permite alcançar maior bem-estar e realização. Este modelo, organiza as melhores qualidades humanas em seis Virtudes universais: a Sabedoria e Conhecimento; a Coragem; a Humanidade; a Justiça; a Temperança e a Transcendência.

Alcançar cada uma das seis Virtudes é possível através da prática dos comportamentos e atitudes associadas a cada uma delas

  • A Sabedoria e Conhecimento têm como caminhos o gosto pela aprendizagem, a criatividade, a curiosidade, a abertura a novas ideias e a perspetiva;
  • A Coragem é alcançada através da coragem, do entusiasmo, da honestidade e da persistência;
  • A virtude da Humanidade tem associadas o amor, a bondade e a empatia;
  • A Justiça tem como caminhos o trabalho em equipa, a justiça e a liderança;
  • A Temperança é demonstrada através da prática do perdão, da humildade, da prudência e do autocontrolo e, por último,
  • A Transcendência é alcançada através da apreciação da beleza e da excelência, da gratidão, da esperança, do humor e da espiritualidade.  

Todos nós, incluindo as crianças e jovens com dislexia, temos um perfil e combinação única destas 24 forças de caráter. Praticá-las, reconhecê-las e reforçá-las traz-nos maior bem-estar e realização. 

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Por exemplo, uma criança com dislexia que iniciou a escolaridade e está a aprender a ler e a escrever terá de fazer uso da persistência e gosto pela aprendizagem para conseguir superar as suas dificuldades e ir avançando nas suas aprendizagens escolares. Isto é o que vemos frequentemente na prática clínica.

Raramente a criança com dislexia desiste e recusa aprender. Por norma, estas crianças esforçam-se muito mais que os seus colegas, obtendo frequentemente resultados inferiores. Aqui será importantíssimo o papel dos pais e educadores na proteção da autoestima e autoconceito destas crianças.

Como podem os pais e educadores incentivar o uso destas forças?

Enquanto pai ou educador, reconhecer estas forças, reforçá-las e incentivar à sua prática é essencial. A criança ou jovem sentir-se-á reconhecido e valorizado, provavelmente com elevado impacto na sua valorização pessoal e na construção de uma autoimagem mais positiva e sustentada em qualidades. Uma forma de concretizar este reconhecimento, sobretudo nas crianças até aos 12 anos, é atribuir-lhes uma medalha “Crescer em Força(s)“, por exemplo, da persistência ou do gosto pela aprendizagem. Estes pequenos gestos, quando parte da rotina diária, permitem a criação de um contexto positivo, ajudando à autovalorização.

Porque é importante reconhecer e reforçar os comportamentos baseados em forças?

Todos temos necessidade de reconhecimento e valorização. Numa sociedade em que os resultados quantitativos e o progresso escolar é ainda, em larga medida, baseado em muitas métricas não diferenciadoras das qualidades únicas de cada um, a criança disléxica tende a ficar em desvantagem relativa. Os pais e educadores assumem, assim, um papel fundamental para que o seu bem-estar e potencial de contribuição seja efetivo.

Afinal, o que seria se não tivéssemos tido Einstein, Da Vinci, Jobs, Branson, Saramago ou Hemingway? O que seria se as suas descobertas, produções, e a sua inspiração não tivesse acontecido? Já imaginaram andar de carro sem GPS? Pânico! E não conhecer a Mona Lisa ou a Última Ceia? Alguns museus estariam mais vazios. Como seria se a Apple nunca tivesse dado beleza e simplicidade ao mundo da tecnologia? O que seria do empreendedorismo sem o inspirador Richard Branson? Provavelmente, um marasmo! O que seria do nosso saber sem as obras inconfundíveis de Saramago ou Hemingway? De certeza, seria tudo muito menos interessante. 

A sociedade continua a beneficiar do potencial máximo destas personalidades muito devido a um ou a vários adultos que durante a infância destes génios ativaram as suas melhores qualidades. Bem sabemos que os dias são difíceis, cansativos, desgastantes e, sobretudo, que enquanto pais ou educadores queremos descanso. Lembremo-nos, contudo, que as crianças disléxicas também têm grandes dons e talentos e que nos darão um contributo duradouro que depende de nós, pais e educadores, cultivar

Não perca a oportunidade que uma criança disléxica significa!

Inspire-se na força da mãe de Thomas Edison e imagine se não tivesse luz!

* Texto escrito em parceria com o Dr. Filipe Fernandes, neuropsicólogo.

Notas finais: 

  • Para a/o ajudar a reconhecer e cultivar as forças das crianças com dislexia, conheça as sugestões que temos para si: as medalhas “Crescer em Força(s)” e o nosso webinar sobre o tema. Ou, ainda, os Crachás Semear Valores personalizados com o nome da criança e a força que a caracteriza.

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