E, quando não gostamos dos nossos sogros?

Cláudia Morais // Outubro 17, 2019
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Todos conhecemos piadas alusivas ao relacionamento com as sogras. Nem todas as pessoas têm razões de queixa, mas, para alguns casais, as dificuldades de relacionamento com os sogros são sérias ao ponto de darem origem ao divórcio, tal como explico no meu novo livro, “Continuar a Ser Família depois do Divórcio”.

Quase todos os pais e mães têm a expectativa de continuar a fazer parte da vida dos filhos, mesmo depois de eles saírem de casa. E não há nada de errado nisso. Mas, do outro lado, está um casal com legítima vontade de fazer as suas escolhas de forma livre. Quando os pais tentam interferir de forma excessiva na vida dos filhos e estes têm dificuldade em impor limites, é mais provável que haja braços-de-ferro, conflitos e distanciamento emocional.

Entre as queixas mais comuns que passam pelo meu gabinete estão as seguintes:

“A minha vida é decidida pelos meus sogros.”

Pode parecer estranho, mas, para algumas pessoas, não faz sentido decidir a localização da própria casa, o próximo destino de férias ou a escola dos filhos sem a “autorização” dos pais. É como se não tivessem sido capazes de cortar o cordão umbilical e de reconhecer que, na vida a dois, este tipo de decisões diz respeito ao casal. A família e os amigos são a nossa rede de apoio e é saudável que opinem, que nos ajudem, que nos chamem a atenção para os riscos e oportunidades que nem sempre reconheceríamos sozinhos. Mas, há uma diferença substancial entre “pedir a opinião” e “depender da aprovação”. Aquilo que oiço muitas vezes é um dos membros do casal dizer que não há nada de errado em pedir a opinião aos pais, por exemplo, enquanto o outro corrige, dizendo que as decisões não são tomadas a dois.

Para algumas pessoas, pode ser difícil reconhecer este padrão de comportamento. Afinal, habituaram-se desde cedo a tomar decisões com a intenção de agradar à família e, ainda que de forma pouco consciente, têm medo de assumir livremente as próprias escolhas. Nalguns casos, o padrão é alimentado por alguma dose de chantagem emocional – de que os filhos, neste caso, nem sempre se apercebem. Noutros, não há essa pressão, mas há uma bagagem emocional marcada por uma postura hipercrítica e pela necessidade de fazer as escolhas que os pais consideram certas.

Desengane-se se pensar que este é o tipo de coisas que só acontece aos “totós”. Tenho-me cruzado com homens e mulheres bem-sucedidos, alguns com mais de sessenta anos, que durante toda a vida fizeram aquilo que os outros esperavam deles – sem parar para questionar: “O que é que eu quero?”. Por exemplo, lembro-me de um homem com mais de cinquenta anos que constatou numa das nossas consultas que, em trinta anos de casamento, nunca tinha escolhido o destino de férias. Naquele caso, a decisão foi sempre tomada pelos sogros.

“Os meus sogros não me respeitam.”

Um dos aspetos mais positivos resultantes de qualquer relação amorosa, é a possibilidade de olharmos para o mundo sob uma nova perspetiva. Quando nos apaixonamos, costumamos dar muito valor à opinião da pessoa que amamos. Estamos encantados e, pelo menos durante os primeiros tempos, queremos (mesmo) saber como é que ele(a) se sente, o que pensa sobre todos os assuntos. Quando há transparência e à-vontade, isso é generalizável aos padrões de comportamento dos nossos pais. O que quero dizer é que, muitas vezes, quando trazemos a pessoa que amamos para junto da nossa família de origem, temos a oportunidade de olhar para as pessoas que conhecemos desde sempre sob um ponto de vista diferente. De repente, algumas das coisas que considerávamos normais são estranhadas pela pessoa que está ao nosso lado. E, com sorte, algumas das coisas que considerávamos banais são reconhecidas como bênçãos, o que permite que nos sintamos mais gratos e, invariavelmente, mais próximos das pessoas com quem crescemos.

Mas, quando crescemos com familiares que têm comportamentos tóxicos, este processo de amadurecimento pode ser tudo menos pacífico. Tenho conhecido muitas pessoas que cresceram em famílias onde existiam as mais diversas formas de abuso emocional sem que esses padrões de comportamento fossem vistos como disfuncionais. Precisamente por ouvirmos dizer que todas as famílias têm problemas e que não há relações perfeitas, corremos o risco de não termos o distanciamento que nos permita diferenciar as saudáveis imperfeições dos nada saudáveis comportamentos violentos. Quando não há gritos ou violência física, pode ser difícil reconhecer que alguns membros da nossa família possam ter comportamentos abusivos. Então, quando a pessoa que amamos se queixa, quando aponta o dedo a alguém que amamos, é mais fácil defendermo-nos, a nós e ao membro da nossa família de origem, do que olhar para a queixa (ou crítica) com abertura e curiosidade.

Quando um dos membros do casal se queixa, está a dar oportunidade ao outro para mostrar que se importa e, em função disso, fazer, a dois, aquilo que for possível para garantir o respeito. Quando isto não acontece, isto é, quando um se queixa e o outro ignora, desvaloriza ou, pior, despreza, a sensação de solidão e desamparo crescem.

É óbvio que não é fácil chamar a atenção e impor limites aos nossos pais, sobretudo se se tratarem de pessoas com feitios “difíceis” com os quais nos habituámos a conviver, porventura graças a silêncios que nos custaram, sem darmos conta, algumas situações de desrespeito. É mais fácil manter os velhos hábitos e não questionar nada. Mas, isso pode custar a união do casal.

Partilho o exemplo de Leonor, uma mulher que se queixava dos comportamentos do sogro e do cunhado. Quando pediu ajuda, Leonor disse-me: “A família do meu marido vai acabar por destruir o meu casamento”. Intuitivamente, Leonor sabia que algo não estava bem. Sentia-se esgotada, como se a sua energia fosse sugada a cada reunião familiar. Na altura, não tinha consciência de que se tratavam de comportamentos abusivos. Aquilo que sabia é que os comentários que ouvia a entristeciam, a diminuíam e que a mera perspetiva de haver um jantar de família a deixava muito ansiosa. Quando desabafava com o marido, a resposta era invariavelmente a mesma: “Não sejas paranoica. Não é por mal. Estás a exagerar”. Não importava se as queixas diziam respeito às suspeitas que o sogro lançava sobre a forma como Leonor gastava o dinheiro (numa tentativa de a persuadir a colocar a totalidade do seu ordenado numa conta conjunta com o marido) ou aos insultos do cunhado quando, a propósito de Leonor ter dito que preferia não se sentar em frente aos pés da mesa, disse que Leonor deveria habituar-se a “abrir as pernas mais vezes”.

Há comentários que são grosseiros ou críticos e que são feitos de forma automática, sem que haja a intenção de diminuir ou maltratar. Mas, quando a pessoa que é alvo destas observações mostra desconforto e nada muda, os comentários aparentemente inofensivos constituem abuso. Há desrespeito sempre que impomos a nossa vontade, ignorando ou desprezando a forma como as outras pessoas se sentem. Quando cuidamos, importamo-nos.

Quando há membros da família alargada que desrespeitam continuamente um dos membros do casal, é pouco provável que a relação prospere.

Regras para melhorar a relação com os sogros:

  • Não insultar. Não fazer ataques pessoais. Se cada pessoa for capaz de olhar para situações específicas e, a partir daí, identificar os seus sentimentos e as suas necessidades, é mais provável que a comunicação flua. Em vez de dizer “O teu pai é uma besta” é preferível dizer “Quando o teu pai disse ‘X’, eu senti-me desrespeitada. Preciso que fales com ele para que não volte a acontecer”.
  • Definir soluções a dois. Os assuntos mais importantes devem ser alvo de reflexão a dois – sempre. Aquilo que importa é que os sentimentos e as necessidades de cada membro do casal sejam valorizados e respeitados e que as soluções encontradas para cada assunto sejam soluções de compromisso. Às vezes é um que tem de ceder; outras vezes é o outro.
  • É o(a) filho(a) que deve falar. A relação entre pais e filhos é uma relação mais afetuosa do que a relação entre sogros e genros/noras algum dia poderá ser. E é esse afeto que pode ajudar na altura de definir limites e dizer “Não”. As decisões devem ser tomadas a dois. O casal é uma equipa. E o(a) filho(a) é o porta-voz da equipa: “Nós decidimos que…”. 
  • Ajudar não é decidir. Todos os casais podem beneficiar da ajuda da família alargada, sobretudo quando há filhos pequenos. Mas, ajudar é ajudar – não é definir regras. Os avós têm muito para dar – aos netos, mas também aos filhos, genros e noras.
  • Estabelecer regras em relação ao essencial. Nenhuma família ganha com a inexistência de regras, mas é mais difícil sentirmo-nos genuinamente felizes se houver regras rígidas para tudo e se não houver flexibilidade e permeabilidade à opinião de quem está à nossa volta. Se os membros do casal forem assertivos em relação aos limites que são verdadeiramente importantes para si e assumirem uma postura de disponibilidade e aceitação da participação da família alargada em relação aos assuntos mais triviais, é mais provável que a família se sinta coesa.
  • Criar rituais de conexão. Na tentativa de encontrar uma solução para cada problema, esquecemo-nos muitas vezes do mais importante: os afetos. São eles que nos ajudam a reconhecer o que é que é mesmo importante, que batalhas devemos travar e quais as lutas que é preferível deixar pelo caminho. Para que uma família possa aprender a gerir conflitos e lidar com situações de tensão, é crucial que haja “balões de oxigénio”, momentos de genuína conexão, relaxamento, cumplicidade, gargalhada. Criar esses momentos, esses rituais, está ao alcance de todos. Quando almoçamos ou jantamos em casa dos sogros uma vez por semana/mês com a intenção de estarmos juntos, também estamos a dizer ao(à) nosso(a) companheiro(a) “gosto de ti”.

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