Quando recuo 30 anos e me recordo de todos os que me disseram ser má ideia ingressar no curso de psicologia porque iria para o desemprego, sinto que se desenha um sorriso malandro… Se esse sorriso falasse diria algo do género: “Até um dia de saúde mental já há! Finalmente um lugar de destaque na consciência da sociedade”.
A mente pode ser definida como o processo que organiza o fluxo de informação e energia entre o corpo e o meio circundante. Porém, este processo tem sofrido desvios tais que a depressão, ansiedade, burnout e perturbações de personalidade são cada vez mais comuns ou, pelo menos, mais visíveis na sociedade. Há perturbações transgeracionais que nunca chegaram a ser entendidas ou diagnosticadas como doença mental – como sucede com aqueles que têm um familiar próximo ou de uma geração mais afastada conhecido por ter mau-feitio, um feitio especial ou ainda que vira um animal quando bebe uns copos apesar de, normalmente, ser um paz de alma. Muitas destas situações configuram perturbações de personalidade, depressões ou ansiedade que têm na sua origem eventos traumáticos, aliados a alguma componente genética, que poderiam ser superadas ou, pelo menos, minoradas – com reflexo numa melhoria do bem-estar do próprio e dos que o rodeiam – através da adequada intervenção psicológica. Imaginem quanta violência doméstica poderia ser evitada, quantos ciclos de maltrato poderiam ser interrompidos, quanta medicação seria deitada no lixo caso chamássemos “os bois pelos nomes”.
A sociedade do cansaço
Recentemente cruzei-me com um livro que me ajudou a perceber como atos simples se podem multiplicar em saúde mental. Do autor Byung-Chul Han, o livro “A Sociedade do Cansaço” apresenta várias ideias que nos ajudam a compreender a nossa sociedade e o desgaste continuado em que vivemos revelado, quanto mais não seja, pela crescente publicidade a suplementos energéticos e a comprimidos (de origem natural ou não) para dormir. Uma sociedade que exige cada vez mais a superação do que fazemos a cada dia deixa-nos num estado tal que nem dormir conseguimos. De uma acumulação de cansaço continuado até à depressão e burnout é um salto de pardal. Byung-Chul Han inicia o livro dizendo que cada século da humanidade tem uma determinada doença de eleição: as pragas, até ao desenvolvimento de medidas sanitárias e de antibióticos, os vírus, até ao desenvolvimento das técnicas imunológicas e, no século atual, as doenças neuronais. Pergunto: há estratégias que realmente nos ajudem a proteger desta nova praga?
A importância da lei do menor esforço
A verdade é que estamos cansados demais para usar novas estratégias. Para efetuar mudanças temos de ter alguma energia para sair do automático e assumir a condução manual. Assim, algumas das estratégias que lemos vezes sem conta cansam-nos ainda mais, como por exemplo:
- Tomar um banho de imersão, com velas e música calma ao final do dia;
- Ir ao ginásio;
- Praticar meditação;
- Ter um discurso positivo, entre outros…
Se já estamos cansados, algumas destas (boas) estratégias podem revelar-se mais desgastantes ou até irritantes por não as conseguirmos executar. Muitas vezes desistimos e achamos que não há remédio para o nosso cansaço, compramos um suplemento vitaminado, seguimos em frente até termos o nosso merecido burnout, para finalmente podermos descansar com aceitação social.
Pare, escute e olhe
As minhas sugestões, inspiradas em Byung-Chul Han, são muito, mas muito básicas:
- Entregue-se ao cansaço: fruto de uma sociedade que coloca o valor do ser humano naquilo que faz em vez daquilo que é, estar em ação é muito mais valorizado do que descansar. Acresce que frequentemente confundimos cansaço com preguiça porque nem nos damos tempo suficiente para tomarmos consciência do esforço que diariamente fazemos ao longo de anos para cumprir tudo o que nos é pedido. Assim, caso tenha trabalho muito e continuamente ao longo de anos é natural que esteja cansado… não é preguiça, é cansaço. Por favor, entregue-se ao cansaço, permita-se sentir o cansaço, olhe para ele como um amigo que o avisa de que está no limite. Viver em esforço constante, a cortar horas de sono e lazer não faz de si um ser mais valioso, mas antes uma bomba relógio que a prazo comprometerá a sua saúde mental;
- Diga “não!”: depois de ouvirmos o cansaço e a mensagem que tem para nós – como, por exemplo, “trabalhar de Domingo a Domingo pode ser necessário em algumas fases da vida, mas sempre é uma doideira… Onde queres acabar, no hospital?!” – chega o momento de dizer “Não!”. Muitas vezes dizemos “sim” porque queremos ser boas pessoas, valorizados pelos outros, facilitar a nossa integração numa organização… Mas também porque dá menos trabalho. Dizer “não” é um ato de afirmação perante o outro, um momento de exercício de liberdade. Diga que não mais vezes…não necessita de fazer tudo e ser um eterno voluntário nas tarefas aborrecidas: “NÃO!”;
- Permita-se, com elegância, enfurecer-se: existe a ideia de que a fúria e a zanga implicam gritos, murros, partir loiça… É uma forma de enfurecermos, sem dúvida, mas não é a única. A zanga legítima resulta de se ser abusado nos seus recursos, invadido no seu espaço vital, ser alvo de injustiça ou desrespeito e o movimento saudável é colocar limites ao autor da ofensa. É uma defesa legítima… A zanga expressa com firmeza e elegância traz energia, verticalidade e alimenta a comunicação assertiva. Autorize a sua zanga a ocupar o seu corpo, não a engula, respire fundo, abra o peito, endireite os ombros e afirme a sua necessidade ao outro, na forma de um “não” calmo e seguro.