Qual é o momento certo para voltar a abordar um(a) ex-companheiro(a)? Há sinais a que possamos estar atentos que nos ajudem a perceber se (já) é seguro fazê-lo? E com que expectativas devemos partir? Será que é sempre desejável que duas pessoas que já formaram um casal sejam amigas? Quando há filhos devem dar o melhor para que isso aconteça?
Ao longo de 20 anos de prática clínica tenho ouvido um bocadinho de tudo: há quem feche o passado amoroso a sete chaves e se recuse sequer a falar disso com o(a) atual companheiro(a), há quem conviva alegremente com os(as) ex-companheiros(as) e até os(as) convide para os eventos familiares, há quem passe de uma relação tensa e até conflituosa para uma relação de cordialidade e há quem alimente ativamente um conflito anos depois da rutura. Esta variabilidade poderia ser “só” uma curiosidade se o impacto das relações com os ex se circunscrevesse à individualidade de cada um e à relação amorosa atual, mas a verdade é que quando há filhos envolvidos a reflexão tem mesmo de ser mais extensa.
Pela minha prática clínica passam muitos adultos que ainda hoje gerem com dificuldade a comunicação entre os progenitores, com medo de que alguém saia magoado. Quando pelo menos um dos ex-membros do casal não é capaz de ultrapassar a mágoa e o ressentimento associados àquela relação, os filhos acabam invariavelmente por se sentirem no meio de uma guerra que não só não é a sua, como condiciona muitíssimo as suas vidas.
As nossas relações amorosas têm um impacto brutal no nosso bem-estar
Não me canso de dizer que as nossas relações amorosas têm um impacto brutal no nosso bem-estar – para o bem e para o mal. Quando nos sentimos felizes e satisfeitos na relação conjugal temos mais saúde física, olhamos para a vida em geral com mais otimismo e evidenciamos níveis de bem-estar emocional mais elevados. Quando nos sentimos infelizes na relação conjugal estamos muito mais vulneráveis a todo o tipo de doenças (porque o nosso sistema imunitário fica mais fragilizado), olhamos para as relações em geral com pessimismo e descrença e sentimo-nos menos satisfeitos noutras áreas da vida.
Quando a pessoa que escolhemos e em quem apostámos para viver ao nosso lado o resto da vida nos desilude/nos magoa/nos deixa, sentimo-nos abandonados e revoltados. Para alguns de nós, isso faz parte do processo de luto, mas, mais cedo ou mais tarde, acabamos por desapegar-nos – do(a) ex e do projeto que um dia idealizámos – e acabamos por voltar a sonhar. Quando os sentimentos intensos de tristeza, raiva, vergonha ou culpa se desvanecem, olhamos para a pessoa por quem um dia nos apaixonámos e por quem entretanto nos desencantámos com outra perspetiva. É possível que lhe reconheçamos defeitos e virtudes, gestos de bondade e erros desnecessários, mas percebemos que houve uma desvinculação romântica quando olhar para trás, para a história que vivemos a dois, já não traz uma avalanche de sentimentos. Para outros, é como se houvesse uma estagnação e o sentimento de raiva estivesse sempre latente. Cada escolha que o(a) ex faça é automaticamente um gatilho para que a pessoa se lembre de todos os erros cometidos, de todas as mágoas provocadas. De uma maneira geral, isso está relacionado com sentimentos intensos de abandono que a pessoa ainda não conseguiu ultrapassar, o que não significa que ainda haja qualquer interesse romântico. Muitas vezes não há e aquela pessoa até já está noutra relação romântica.
Quando retomar o contacto com o(a) ex?
Na maioria das situações uma rutura amorosa implica que haja uma pessoa que toma a iniciativa de se separar e uma pessoa que é deixada, pelo que é legítimo que esta última precise de mais tempo para fazer aquilo a que chamo de divórcio emocional. No período imediatamente após a rutura, é importante que a pessoa que tomou a iniciativa de se separar respeite o processo de luto do(a) ex. Isso significa que é importante ter cuidado com a possibilidade de a comunicação entre os dois alimentar qualquer esperança de reatamento. Tenho conhecido muitas histórias em que a boa vontade de um colide com os sentimentos românticos do outro criando equívocos desnecessários e dolorosos. A verdade é que o afastamento entre os ex-membros do casal não está só relacionado com a existência de conflitos. De uma maneira geral, esse afastamento e diminuição significativa dos contactos é um meio de oferecer espaço para o luto.
Quando há filhos, a comunicação no período após a rutura deve ser clara, direta e pragmática.
Nenhum assunto importante deve ficar por ser abordado, mas não é realista olhar para o(a) ex como o(a) seu(sua) melhor amigo(a) nesta altura. Há algumas escolhas que a pessoa que está mais desapegada em termos românticos pode fazer para manter uma boa comunicação:
- Mostrar de forma clara a intenção de colocar os interesses das crianças em primeiro lugar;
- Mostrar, com clareza e honestidade, que as suas propostas são isso mesmo – propostas abertas ao diálogo e não imposições;
- Dar tempo e espaço para o(a) ex refletir sobre cada decisão (em vez de dar sinais de que tem pressa em avançar com a própria vida);
- Validar todos os sentimentos do(a) ex – «Tens o direito de sentir tristeza/ mágoa/ desilusão/ raiva»;
- Não alimentar conversas sobre o passado – «Tens o direito de sentir (…), mas não tenho a intenção de alimentar braços-de-ferro em relação ao passado. Prefiro que conversemos sobre o que temos de resolver»;
- Mostrar abertura e curiosidade em vez de crítica – Se não estiver de acordo com uma proposta que parece traduzir a mágoa do(a) seu(sua) ex mais do que a salvaguarda dos interesses das crianças, ofereça a si mesmo(a) a possibilidade de pensar sobre o assunto antes de dizer o que pensa. Depois, mostre de forma clara e direta a sua proposta [sem juízos de valor sobre a intenção do(a) seu(sua) ex].
Às vezes, basta algum tempo para permitir que a sua própria raiva se desvaneça para conseguir olhar com empatia e compaixão para os sentimentos da outra pessoa. Ninguém está no seu melhor quando é deixado e há muitas escolhas que, embora não vão encontro das suas expectativas, são entendíveis se tivermos em conta o estado emocional em que a outra pessoa se encontra. Isso não significa que deva ser permissivo(a) ou condescendente em relação a todas as propostas. Significa, isso sim, que se for capaz de empatizar com os sentimentos do(a) seu(sua) ex, vai quase de certeza conseguir comunicar com ele(a) sem que as conversas se transformem em batalhas intermináveis.
Voltar a falar com o(a) ex – Qual é a sua verdadeira intenção?
Se você estiver na posição de quem foi deixado(a), é importante que se questione sobre os seus sentimentos e sobre a sua verdadeira intenção a propósito da reativação dos contactos. De uma maneira geral, quando ainda há sentimentos românticos, é fácil convencermo-nos de que queremos voltar a contactar com aquela pessoa “só” para manter a amizade. Em parte, podemos estar a ser honestos connosco, no sentido de reconhecermos que a pessoa por quem nos apaixonámos também é ou foi o(a) nosso(a) melhor amigo(a) e confidente. Mas, na prática, podemos estar a fazer uma escolha que, a prazo, nos prejudicará – porque atrasará o processo de luto e porque trará inevitavelmente tensão e conflito para a relação.
É absolutamente legítimo que uma pessoa se questione sobre aquilo que pode fazer para retomar o contacto com alguém de quem ainda gosta e até que se pergunte sobre os sinais de que há espaço para uma reconciliação. De uma maneira geral, este questionamento não é mais do que o próprio cérebro a tentar “negociar” formas de lidar com a dor. A negociação também é uma etapa do processo de luto. O problema é que na esmagadora maioria das vezes a reconciliação só é possível se a pessoa que tomou a iniciativa de terminar a relação mostrar de forma direta que deseja reconciliar-se. Aquilo que observo na minha prática clínica é que há muitas pessoas que se agarram a pequenos gestos de carinho, bondade e amizade do(a) ex como potenciais sinais de que há espaço para uma reconciliação. Acabam por alimentar a esperança, por reaproximar-se e quando se confrontam com a realidade é como se voltassem ao ponto de partida do processo de luto. Na prática, é como se voltassem a levar um tombo, já que voltam a passar por uma experiência fortíssima de rejeição e abandono.
Se tem indícios claros de que já não há sentimentos românticos, nem do seu lado, nem do lado da outra pessoa, tudo se torna mais fácil. Ainda assim, há quem prefira manter o passado no passado e não esteja recetivo para retomar contactos. Mas se ambos estiverem disponíveis para restabelecer a amizade, por que não? O importante é que as escolhas sejam feitas com honestidade e transparência. Uma coisa é aceitar um pedido de amizade no Facebook e trocar mensagens privadas sem que o(a) seu(sua) atual companheiro(a) saiba e outra, bem diferente, é fazê-lo às claras e respeitando os limites definidos na nova relação.
Não vale a pena ignorar o óbvio: mesmo que nenhum dos dois tenha conscientemente a intenção de voltar a envolver-se romanticamente, há alguma probabilidade de esse desejo surgir. E não há nada de errado, desde que ambos saibam exatamente o que querem e evitem magoar-se ou magoar outras pessoas.
Formas de falar com o(a) ex
Depois de uma rutura e dos conflitos e tensões associados, pode não ser fácil tomar a iniciativa de voltar a conversar com o(a) ex, mas todos sabemos que, mesmo que não haja filhos, há quase sempre vários assuntos para tratar e é praticamente impensável não haver qualquer contacto, pelo que é importante que cada um faça a sua parte em nome de uma boa comunicação. Eis algumas sugestões.
5 Dicas para falar com o(a) ex:
- Defina de forma simples e clara a sua intenção e verbalize-a. «Preciso de falar contigo sobre o assunto X»;
- Coloque perguntas em vez de impor a sua vontade. «Quando é que achas que podemos fazê-lo?»;
- Sempre que possível, sintetize a informação por escrito. Partilhe por SMS, Whatsapp ou e-mail os passos que deu ou planeia dar para a resolução de assuntos pendentes. Pode aproveitar para colocar as suas dúvidas também, mas evite utilizar este meio para explorar assuntos subjetivos e sensíveis;
- Ofereça alternativas. Do outro lado pode estar alguém cujos sentimentos impeçam o surgimento de respostas rápidas para as questões pendentes. Em vez de interpretar a inexistência de respostas como uma tentativa de atrasar a sua vida, ofereça alternativas;
- Aceite ajuda. Às vezes é preferível permitir que alguém de fora medeie estas conversas. Isso tanto pode ser feito por um mediador familiar a propósito da comunicação necessária para a concretizar uma separação com o mínimo de danos, como por familiares e amigos que genuinamente se sintam capazes de ajudar sem inflamar ainda mais a comunicação.