Antes de considerarmos sobre como e onde podemos colocar as peças de roupa que já não temos interesse em guardar nos nossos armários, é importante realizar uma questão ainda mais essencial: como é a minha relação com o consumo de moda?
A nossa sociedade desenvolveu um modelo de produção e de consumo rápido que leva à despersonalização das peças que adquirimos e de todo o seu processo de produção até chegar a nós. Não sabemos quem cultivou as matérias primas que se transformam nas nossas peças de roupa, nem que práticas foram utilizadas para esse efeito. Não sabemos que impactos têm essas produções na natureza, quem as produziu, onde, nem que condições vivem essas pessoas.
O que ocorre nas cadeias de “fast fashion” não é só o facto de serem baratas, mas também o facto de serem insustentáveis. Na maioria dos casos não oferecem salários dignos, existindo muita exploração humana, ao mesmo tempo que não apresentam práticas que respeitam os ciclos naturais do planeta, produzindo muito mais do que aquilo que é necessário, o que acaba por poluir muito o ambiente e contribuir bastante para as alterações climáticas.
Qual é o impacto da indústria da moda no planeta?
Existe um padrão de pensamento inconsciente e uma sensação confortável de que a roupa já aparece feita, e que é apenas roupa. Mas quando olhamos para os números sobre o impacto da indústria da moda no planeta, e questionamos a quantidade de roupa que vemos nas lojas, compreendemos que a realidade não pode ser assim tão simples e tão linear como aparenta. Compreendemos que por detrás de cada peça está uma ou várias pessoas, tal como nós.
Também os preços cada vez mais baixos nos fazem desvalorizar todo este processo e normalizar a falta de transparência subjacente. Assim, desenvolve-se uma normalização deste registo de consumo e uma consequente leveza na nossa carteira (pelo menos a curto prazo), enquanto o peso maior a nível social e ambiental se encontram sobre o mundo.
Como fazer escolhas mais conscientes?
Relembrar estes pequenos grandes detalhes fazem com que valorizemos a roupa que temos e toda a sua cadeia de produção. Desta forma, conseguimos fazer escolhas mais conscientes sobre onde adquirir novas peças de roupa (como, por exemplo, comprar em locais de venda de roupa em segunda mão), tendo na nossa posse apenas o que precisamos e aquilo que realmente gostamos de usar.
Apercebemo-nos que as opções mais sustentáveis são aquelas que já temos em casa, em casas de familiares, de amigas e de amigos, são aquelas que estão nos locais de venda de roupa em segunda mão e, em último caso, em marcas de produção e consumo conscientes.
Aprender a ter menos, a consumir menos e a viver com menos sem que isso nos retire qualidade de vida é a chave para ter um guarda-roupa mais sustentável!
Isto fará com que tenhamos uma menor necessidade de «descartar», tendo em conta que o nosso consumo se vai tornando, idealmente, cada vez menor, mas mais intencional. Mas, quando existir essa necessidade, aqui vão encontrar algumas sugestões para «descartar» roupa de uma forma mais consciente e, por isso, mais amiga do planeta.
Como podemos ser mais sustentáveis e conscientes no descarte da nossa roupa?
1. Upcycling
Crescer, no meu caso, rodeada de mulheres tem uma de muitas vantagens: ter sempre roupa em segunda mão sem ter a necessidade de ir às compras. Uma solução que encontrei para tamanhos acima dos meus, ou detalhes menos adorados, foi levar essas peças a uma costureira e recriar a peça ao meu gosto e, desta forma, ganhar uma peça nova e única.
Também quando deixamos de nos sentir 100% nós com alguma peça, levar a uma costureira e alterar o que fizer sentido é uma ótima solução.
Podemos acabar por pensar “com o dinheiro que gastaria numa costureira, compro uma peça nova”, o que em alguns casos poderá ser verdade. No entanto, isso remete-nos à primeira questão do real valor invisível que a roupa apresenta e na urgência em transformar a nossa relação com a indústria da moda.
Também as roupas que estiverem mais antigas e gastas podem servir um novo propósito ao serem utilizadas, por exemplo, para panos de limpeza ou para outras funções domésticas: basta recortar em pedaços do tamanho que queremos e está feito. Acabamos por poupar o planeta e a carteira de uma só vez.
2. Trocar
Uma das formas mais sustentáveis de consumir roupa é prolongar o tempo de vida das peças, e não existe melhor forma que realizar uma troca entre as pessoas do nosso círculo.
No meu grupo de amigas decidimos fazer uma grande limpeza aos nossos armários e acabámos por combinar um jantar onde cada uma trouxe um ou mais sacos para oferecer a quem considerasse que as peças fossem úteis para o seu armário. Nessa noite trouxe comigo um blazer, umas calças, uma camisa, um top e duas camisolas. Desde esse dia que, antes de «descartar» qualquer peça de roupa, me certifico que ninguém perto de mim quer ou precisa da mesma. Além disso, acabou por ser uma noite muito divertida e sustentável para todas.
Também existem mercados de troca de roupa, criados, por exemplo, pela Fashion Revolution ou pela Troca-te. É uma questão de estar atento a esses eventos, levar a roupa que queremos trocar e de acordo com isso trazer o que fizer sentido para nós.
3. Doar
Outra forma de nos «descartarmos» da roupa de uma forma mais sustentável é procurar centros de dia ou associações que conhecemos, e em quem confiamos, para que a roupa seja útil a pessoas que precisam mais que nós, certificando-nos de que a roupa é de facto necessária para esse efeito. Desta forma, evitamos que essas peças vão parar a aterros por falta de necessidade, de condições ou falha na gestão por parte dos responsáveis dos respetivos locais de entrega.
É crucial que as peças que vamos doar se encontrem em boas condições para serem reutilizadas, pois as doações não servem como “caixotes do lixo para roupa”.
4. Revender
O mercado de roupa em segunda mão está cada vez maior e mais acessível. Atualmente já existem aplicações e locais em Portugal onde podemos encontrar e vender a roupa que já não nos serve ou que já não gostamos, enquanto ganhamos alguma recompensa por isso. Sustentabilidade vezes dois! Basta fazer uma pequena pesquisa e encontrarão diversas opções.
E assim, num passinho de cada vez, temos oportunidade de cuidar mais do planeta, de todos nós e de um futuro para as gerações vindouras!
Mafalda Pinhão