De forma geral, só memorizamos aquilo em que nos focamos, isto é, aquilo em que depositamos a nossa atenção. Aprendemos e armazenamos na nossa memória para mais tarde recordar. Portanto, o foco, que é como quem diz aquilo a que prestamos atenção, e a memória são os dois lados de uma mesma moeda, e todos nós queremos que a moeda seja de ouro.
Para melhor a/o elucidar, vamos clarificar o que se entende por memória e por atenção, e destas, quais as capacidades que mais declinam ao longo da vida.
O que é a memória?
A memória é a faculdade mental de reter e relembrar experiências com base em processos mentais de aprendizagem, retenção, recordação e reconhecimento. De entre os vários tipos de memórias, destacamos a memória de curto prazo, a memória de longo prazo e a memória prospetiva.
Diferentes tipos de memória
A memória de curto prazo é aquela que dura cerca de 30 segundos, como a memorização de um número de telemóvel, e é um conceito que se relaciona com o de memória de trabalho, sendo este último mais complexo por entender o armazenamento, organização e manipulação temporária de informações.
Já na memória de longo prazo, realçamos a explícita e a implícita. A memória explícita é a recordação consciente de factos e eventos, e inclui a memória semântica e a memória episódica. A memória semântica, por sua vez, envolve factos e conhecimentos gerais, tal como conhecer o significado das palavras. São exemplos de memórias semânticas o saber que Paris é a capital da França ou que 1000 gramas correspondem a 1 quilograma. Devido ao acumular de conhecimentos ao longo da vida, os estudos sugerem que a memória semântica tende a aumentar no decorrer da mesma, com declínios ligeiros nos muito idosos. Por seu turno, a memória episódica é a memória de eventos autobiográficos e começa a declinar a partir da meia-idade. Como exemplos de memória episódica destacamos: o primeiro dia de escola, a reunião em que participou na semana passada ou o que almoçou ontem. A memória implícita, como o nome indica, é uma memória da qual não temos consciência e que se relaciona com a aprendizagem de habilidades e procedimentos. Um exemplo deste tipo de memória é a recordação de como se aperta o cordão do sapato e como se anda de bicicleta. Esta memória, também conhecida como não declarativa, permanece inalterada ao longo da vida e pode consolidar-se mesmo quando versa sobre algo a que julgamos não prestar muita atenção. Assim, podemos melhorar, pela prática, determinadas habilidades (desenhar, destreza na escrita e na condução, leitura, oralidade de um novo idioma), mesmo que não estejamos focados nessa melhoria.
Por último, a memória prospetiva é a capacidade de nos lembrarmos de algo que temos de fazer no futuro, como, por exemplo, ir votar no próximo domingo ou tomar a medicação às 20h. A capacidade de identificar o momento em que se deve agir torna este tipo de memória mais exigente e mais vulnerável com o avançar da idade.
Diferentes tipos de atenção
No que respeita à atenção, esta trata-se da capacidade de dirigirmos o nosso foco para estímulos específicos do nosso ambiente, sendo esta a capacidade que possibilita as outras funções cognitivas e intelectuais. Também, nesta capacidade, podemos distinguir vários tipos, sendo de salientar: a atenção sustentada, que se refere à capacidade de manter o foco num determinado estímulo durante um período prolongado; a atenção seletiva, que se trata da capacidade de focar as informações relevantes, ignorando outras informações e ignorando, também, os estímulos distratores, como manter uma conversação num ambiente de ruído; e a atenção dividida, que se traduz na habilidade de a manter em dois ou mais estímulos ao mesmo tempo, como falar ao telefone enquanto se prepara uma refeição.
O avançar da idade parece não afetar a atenção sustentada, isto é, a capacidade de manter o foco e o desempenho numa determinada tarefa, por um período prolongado, mas o mesmo já não acontece no que respeita à atenção seletiva e à atenção dividida. Estas, possivelmente por serem variantes mais complexas da atenção, parecem ser mais negativamente influenciadas pelo envelhecimento.
Como manter e melhorar o foco e a memória?
Muitos dos fatores ambientais que conduzem a um melhor funcionamento do cérebro, com impacto na atenção e na memória, são questões quotidianas – a qualidade da estimulação que oferecemos ao nosso cérebro, o exercício físico e o sono – que podem parecer óbvias, mas são tão facilmente negligenciadas.
Mente estimulada
As atividades cognitivamente estimulantes são atividades ou exercícios mentalmente envolventes que desafiam a nossa capacidade de pensar. Tal como o nosso corpo, o nosso cérebro necessita de ser exercitado para se manter em forma, e é o seu bom exercício que permite manter e até melhorar habilidades cognitivas, tais como as da memória e da atenção.
A atividade cognitiva frequente protege contra o declínio cognitivo, associado ao avançar da idade, pois estimula diferentes partes do cérebro, tornando-as mais eficientes e resistentes.
Assim, deve encontrar atividades que estimulem o seu cérebro e que sejam do seu agrado. Não tenha receio de usar as suas capacidades, elas não se esgotam, pelo contrário, são tanto mais vivazes quanto mais são usadas, sem adicionarmos stress a esta equação.
Para manter um estilo de vida intelectualmente ativo, ler muito é uma excelente estratégia. A leitura traz benefícios ao cérebro de todos, desde a criança ao idoso. Se pensa que as atividades cognitivamente estimulantes já fazem parte do seu dia a dia, reflita se estas não são já atividades rotineiras que, na verdade, não o desafiam tanto assim. Lembre-se de que o que verdadeiramente exercita o nosso cérebro é aquilo que inicialmente provoca algum desconforto, na medida em que são atividades que requerem algum tipo de aprendizagem.
Corpo ativo
A prática da atividade aeróbica tem sido confirmada, por vários estudos, como vantajosa para o cérebro: favorece a memória, a atenção, a flexibilidade cognitiva e o humor. A atividade física aumenta o fornecimento de sangue ao cérebro, o que estimula a função dos neurónios.
Recomenda-se meia hora de exercício aeróbico moderado quase todos os dias, de forma a perfazer duas horas e meia de exercício por semana. Se não tem o hábito de praticar exercício físico, comece por fazer caminhadas e vá tentando andar de forma cada vez mais acelerada. Poderá optar por outras modalidades como a corrida, a natação, andar de bicicleta ou mesmo enveredar por aulas de dança.
A prática de exercício físico, em particular exercícios aeróbicos como caminhar, andar de bicicleta e nadar, é recomendável e benéfica em qualquer idade, com inúmeras vantagens para a nossa saúde física e cerebral: melhora o humor e combate a depressão; proporciona o fluxo sanguíneo hipocampal, levando a melhorias na memória e na aprendizagem; possibilita que mais sangue e oxigênio fluam para o cérebro; aumenta os níveis de substâncias químicas cerebrais que estimulam o crescimento de neurónios, isto é, favorece a neurogénese; e aumenta o número de células glia, que são células cerebrais que protegem os neurónios e têm impacto na velocidade de processamento.
Sono de qualidade
As pesquisas mostram que os bons hábitos de sono são fundamentais para a consolidação das memórias: se não dormimos bem, também não aprendemos. Além de prejudicar o funcionamento cognitivo, dormir mal também leva ao aumento do stress e aumenta o risco de depressão.
O sono é de uma enorme serventia para o nosso cérebro: permite que haja uma maior atividade do sistema glinfático, proporcionando ao cérebro uma “limpeza” que elimina os seus resíduos tóxicos; reestrutura a memória a longo e a curto prazo; e permite que ocorram aprendizagens.
No caso de ter problemas em adormecer, deve estabelecer uma rotina associada ao sono, fixando uma hora para se deitar e evitando luzes e estímulos fortes antes dessa hora. Se gosta de dormir um pouco durante o dia, saiba que tirar uma pequena sesta é um hábito que beneficia a cognição.
Outras estratégias:
- Evite o stress. O stress tem impacto na cognição, prejudica a memória, desencadeia o envelhecimento precoce do cérebro e pode mesmo aumentar o risco de demência;
- Despenda tempo na prática da meditação mindfulness. O que esta técnica pretende é que o momento presente seja o único foco de atenção: tornarmo-nos conscientes de cada parte do nosso corpo, da nossa respiração, dos pensamentos que nos invadem e da nossa presença. Quem pratica a meditação mindfulness experimenta, para além de uma diminuição do stress, melhorias na capacidade de concentração, na memória de trabalho e na orientação espacial;
- Adote uma alimentação variada e equilibrada, com um elevado consumo de vegetais, legumes, frutas e nozes, peixes e frutos do mar, frutas cítricas e frutas vermelhas, e abstenha-se de carnes vermelhas e alimentos processados. Reduza também o consumo de sal e beba muita água. Efetivamente, os hábitos alimentares têm um elevado impacto na boa forma cerebral;
- No seu dia a dia, tente prestar atenção naquilo que é importante para si. Foque-se nas tarefas em que se envolve, no momento presente e naquilo que quer reter na sua memória. Para tal, seja disciplinado consigo mesmo, tente reduzir as distrações e desacelere: prestar atenção, reter e memorizar implicam que se despenda tempo;
- Para facilitar a memorização: repita em voz alta a informação que pretende memorizar, visualize-a em imagens mentais e anote-a. Se possível, crie uma associação com outras informações que já tenha memorizado (por exemplo, memorizar uma data por associação a outra que lhe é familiar);
- Recorra a mnemónicas como o agrupamento de informação, selecionando um critério para a formação de categorias (técnica útil para as listas do supermercado, com diferentes categorias de produtos) ou recorrendo às letras iniciais (por exemplo, se vai comprar pão, arroz, cebolas, azeite, tomate e ovos, levar em mente a palavra “pacato” que é a junção das iniciais);
- Muna-se de outros auxiliares de memória externos que lhe poderão ser muito úteis: calendários, agendas, lista de tarefas, alarmes, entre outros recursos.
Para manter um bom foco e uma boa memória temos, acima de tudo, que pôr à prova e exercitar, continuamente, estas capacidades.
Não há campeões sem treinos. Motive-se, siga as recomendações que lhe deixo e verá que, afinal, a moeda de ouro pode estar mesmo aí no seu bolso.