Como diminuir a nossa produção de resíduos?

Mafalda Pinhão // Julho 21, 2021
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Segundo o relatório do Estado do Ambiente, em 2018, cada português produziu em média 1,38 quilos de resíduos urbanos por dia. O que corresponde ao valor de 505 quilos por pessoa e a um total de 4,94 milhões de toneladas, no final dos 365 dias. Este resultado confirmou uma tendência de que o aumento da produção de resíduos se encontra diretamente relacionada com a melhoria da situação económica do país. Isto significa que o consumo se encontra vinculado a uma constante deterioração do mundo natural. Mas, porque será que uma melhoria económica não significa mais recursos para produzir e consumir diferente e melhor?

Em criança, lembro-me que a geração dos meus pais não sabia o significado de reciclar, nem se preocupavam com essa hipótese. E, no meio de tantos mitos, lembro-me também que foi a minha geração que os ensinou a compreenderem a importância da reciclagem. Hoje esta é uma questão mais do que compreendida ou, pelo menos, já bastante debatida. Mas, talvez esteja na altura de a aprofundar um pouco mais. 

A ilusão do «deitar fora»

É preciso que exista uma mudança de paradigma sobre o que significa a expressão «deitar fora». Esta expressão oferece uma falsa ideia de que existe «lá fora», quando apenas existe cá dentro.

Longe da vista, longe do coração não se aplica apenas a um desgosto de amor, mas, no fundo, a tudo o que nos rodeia. Por que, uma vez que não estejamos em contacto direto com o impacto que os nossos resíduos têm em termos ambientais e sociais, nem tenhamos de lidar, pelo menos diretamente com o mesmo, tudo se torna mais facilitado. E isto quer dizer que «deitar fora» tornou-se uma das ações mais inconscientes que existe, onde não existe a perceção de que algo que deitámos «fora» há 20 anos, pode ainda existir por aí, algures. Aparentemente parece não nos implicar, ao mesmo tempo que nos implica, e bastante. 

O conceito de lixo é, no fundo, um erro de design. 

É um erro quando o final de vida de um produto ou material não é considerado, quando as cidades não foram preparadas para a circularidade, e as empresas muito menos, e quando todos nós, enquanto consumidores, seguimos as tendências e as conveniências de consumo.

É preciso criar-se responsabilidade sobre os produtos que se colocam no mundo. Uma responsabilidade que implica amor. Amor pela Natureza e pelos recursos dela extraídos, amor pelo impacto que esse produto poderá ter no consumidor e amor pelo fim de vida do mesmo. Um fim de vida que não implique destruição, mas regeneração, criatividade e utilidade.

If it can’t be reduced, reused, repaired, rebuilt, refurbished, refinished, resold, recycled, or composted, then it should be restricted, re-designed or removed from production.”

Pete Seeger

No fundo, a questão primária deverá ser que: se um produto não apresenta possibilidade de se reciclado, reutilizado ou transformado, não deveria ser criado em primeiro lugar. Claro que existem exceções, mas esta deveria ser a norma e não o contrário.

Esta mudança de paradigma precisa de acontecer a todos os níveis sociais e económicos; para que um/a CEO de uma grande empresa, um/a governador/a, um/a deputado/a, um/a consumidor/a consiga mudar e transformar o que está ao seu alcance, produzir melhor e consumir diferente.

Os 8 R’s

Os três grandes R’s orientadores das práticas de resíduos (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) talvez possam estar um pouco incompletos, por isso acrescentar mais uns poderá ajudar a trilhar um novo caminho, para criar um novo mundo.

  1. Respeitar todas as formas de vida. O respeito é a base de toda a potencial harmonia, em todas as diferentes esferas, tanto da nossa vida como de tudo aquilo que nos rodeia;
  2. Reintegrar o que pertence à Natureza. O nosso lixo orgânico tem um potencial imenso de regeneração e circularidade quando temos a oportunidade de realizar a compostagem. Fazer compostagem devolve à terra o que é seu, diminui os gases de efeito de estufa e diminui o lixo que iria parar aos aterros. Este produz o «húmus», adubo natural e muito nutritivo, para ser utilizado em hortas e no cultivo de novos alimentos. Podemos procurar hortas comunitárias ou até ter o nosso próprio composto em casa;
  3. Repensar sobre as nossas escolhas diárias de consumo e no impacto que estas têm. Ao repensarmos ganhamos uma consciência de que, de facto, tudo o que fazemos tem um impacto, seja este positivo ou negativo. O consumo consciente é um grande aliado neste ponto.
  4. Recusar materiais ou produtos que explorem a Natureza, seja em que estágio for, desde a extração ao seu descarte. Ao recusarmos estamos a reivindicar que valores (não) queremos consumir e ver nos produtos que utilizamos, seja: exploração intensiva, exploração humana, animal ou outro;
  5. Reduzir o nosso consumo. Tal como se viu no estudo apresentado, o consumismo apresenta uma relação direta com a destruição do nosso planeta. Ao reduzirmos, estamos também a reduzir o nosso impacto menos positivo e a agir com uma maior consciência, responsabilidade e respeito pelo mundo, pelos outros e por nós;
  6. Reutilizar aquilo que seria, eventualmente, considerado «lixo», dando-lhe outro destino ou propósito. O que para alguns é considerado lixo, para outros poderá ser uma solução;
  7. Reparar o que podemos reparar. Reutilizar e reparar aumenta o tempo de vida útil do produto ou material diminuindo a quantidade de resíduos que iriam parar aos aterros. E diminui, também, a necessidade de consumir de forma automática;
  8. Reciclar em último caso, numa situação em que o produto não tem mais nenhuma forma de ser reutilizado ou reparado. O que diminui os nossos resíduos, e, também, a necessidade de extração e exploração do mundo natural, uma vez que os materiais já se encontram introduzidos na cadeia de produção para recriar novos produtos. 

Uma mudança de cada vez

Em vez de utilizar a palavra «mudar», que pode trazer uma ideia de desconforto e de desconhecido, podemos ver como um «ajuste» da nossa perceção sobre os nossos próprios resíduos, que resulta numa melhoria da «saúde» do planeta e da nossa também. 

Todas as mudanças e transformações se fazem um passinho de cada vez. O caminho faz-se caminhando. Por isso, essa é também a forma mais sustentável de fazer estas transições. Para que não sintamos o peso do mundo nos ombros ou o sentimento de culpa associado ao pensamento de que «devíamos e podíamos» estar a fazer mais e melhor. 

Cada pequena ação tem impacto e faz a diferença, mas não podemos desvalorizar a nossa saúde mental e para que isso aconteça é preciso existir um equilíbrio entre estas duas vertentes.

We don’t need a handful of people doing zero waste perfectly. We need millions of people doing it imperfectly.”

Anne-Marie Bonneau

Uma mudança exterior requer uma mudança interior. As mudanças de perspetiva sobre o conceito de «lixo» transformam-se quando reestruturamos a forma como vemos o mundo e nos relacionados com ele, e quando reestruturamos também que impacto queremos ter enquanto cá estivermos. 

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