“Preciso de espaço” é a última coisa que alguém espera ouvir do(a) companheiro(a). Invariavelmente, a pessoa é apanhada de surpresa com a afirmação e inunda-se de dúvidas: “O que será que ele(a) quer dizer? Será isto o princípio do fim? Será que tem outra pessoa? Já não gosta de mim?”.
Quando pensamos numa relação feliz, associamo-la a harmonia e satisfação, à vontade de estar junto. No auge da paixão nem nos passa pela cabeça outra coisa que não seja estar ao lado daquela pessoa. Distância, espaço, tempo são palavras que facilmente soam a rejeição e esfriamento. Infelizmente, nalguns casos é exatamente isso que aquela frase quer dizer. Mas isso acontece mais provavelmente quando os membros do casal não souberam incluir na relação aquilo a que chamo de distância de segurança.
Do que precisamos numa relação?
Quando olhamos para uma relação feliz e duradoura, percebemos que há ali uma combinação interessante entre uma sensação de proteção e segurança e um dinamismo que inclui também aventura, novidade e até algum mistério. Percebemos que aquelas duas pessoas se sentem “em casa” quando estão juntas, que há a intimidade e a familiaridade que oferecem a sensação de que uma pode contar com a outra. E, por outro lado, há uma vivacidade que nos mostra que (ainda) há entusiasmo, que há coisas novas a acontecer, objetivos e sonhos por concretizar e uma certa adrenalina.
A maior parte de nós ambiciona uma relação assim. Não uma relação perfeita, mas uma relação que equilibre estes dois lados.
Há muitas pessoas que me dizem, quase sempre em tom de desespero, que, ao fim de algum tempo, a sua relação continua a oferecer a familiaridade, a proteção e a segurança, mas deixou de fazer com que se sentissem vivas, entusiasmadas. Algumas chegam a assumir que se sentem sufocadas. Outras já não sabem se é amor que sentem pelo(a) companheiro(a).
Porque é que alguém pede espaço numa relação?
Apesar de quase todos desejarmos uma relação que seja, por um lado, uma fonte de segurança e estabilidade e, por outro, uma fonte de excitação e desejo, poucos de nós param para reparar no facto de esse ser um exercício muito desafiante. Afinal, ambicionamos que a pessoa que está ao nosso lado seja uma mistura quase perfeita do melhor amigo que conhece e respeita todas as nossas vulnerabilidades e, ao mesmo tempo, o amante que nos deseja apaixonadamente. Esperamos que seja a pessoa que nos revela tudo o que sente e, ao mesmo tempo, que nos surpreenda e nos desafie. Que nos dê a sensação de “casa” e, ao mesmo tempo, a adrenalina que acelere o nosso coração. Queremos que aquela pessoa seja um tudo-em-um e esquecemo-nos de que ele(a) é tão humano(a) e imperfeito(a) como nós. E esquecemo-nos sobretudo de que algumas das coisas que queremos para a nossa relação dependem mais de nós do que do outro.
Quando abdicamos da nossa individualidade para viver em função da nossa relação, até podemos fazê-lo com boas intenções, com a ilusão de que se o amor for verdadeiro não vamos precisar de mais nada. Podemos acreditar que a pessoa que está ao nosso lado também não vai precisar de mais nada para se sentir feliz. Mas a verdade é que quando nos apaixonamos por alguém, há uma série de coisas que nos atraem e que têm a ver não apenas com aquilo que a pessoa tem para nos oferecer, mas também com aquilo que a pessoa é e faz. Por exemplo, podemos sentir-nos atraídos pelo facto de a pessoa de quem gostamos ser empreendedora e perseverante no trabalho. Pelo facto de praticar desporto e o autocuidado. Pela forma dedicada como alimenta as amizades. À medida que a relação se consolida e, sobretudo, à medida que as responsabilidades se acumulam, nem sempre é fácil continuar a incentivar a pessoa que amamos a fazer as coisas que lhe dão prazer fora da relação.
Quando deixamos a leveza do namoro e o conforto da casa dos pais e passa a haver uma casa para gerir, contas para pagar, filhos para cuidar e o tempo parece que escasseia, é tentador fazer exigências que são mais compatíveis com aquilo a que chamo de relação fusional, isto é, uma relação em que não haja vida fora do casamento, não haja vivacidade fora da relação.
Algumas pessoas são mais inseguras do que outras e precisam ainda mais que o(a) companheiro(a) seja alguém que esteja sempre por perto. Reivindicam que ele(a) seja mesmo um tudo-em-um – o amigo, o psicólogo, o amante, o companheiro, até o pai ou a mãe. Quando do outro lado está alguém que, nem que seja para evitar o conflito, vai abdicando dos próprios interesses, da própria individualidade, ou até dos próprios amigos, e deixa de haver a tal distância de segurança, é mais provável que, mais cedo ou mais tarde, se sinta sufocado. A pessoa dá-se conta de que não se sente suficientemente feliz, ou de que está a abdicar de coisas que lhe fazem bem e sente-se insatisfeito(a).
Na maior parte dos casos, acontece o efeito “panela de pressão” e a pessoa acaba por dar voz às próprias necessidades de forma mais ou menos impulsiva e até ressentida, acabando por deixar o(a) companheiro(a) muito alarmado(a).
O que fazer para evitar que surja a necessidade de espaço na relação?
Quando a pessoa que amamos nos diz que precisa de espaço, é natural que nos sintamos inseguros. O medo, sobretudo nestas circunstâncias, pode levar-nos a fazer escolhas que se revelem ainda mais desastrosas para a relação. Afinal, se uma pessoa se sentir ansiosa em relação à possibilidade de o(a) companheiro(a) já não estar tão envolvido(a), pode tentar estar ainda mais presente. Quando nos sentimos inseguros, é muito difícil dar espaço. No entanto, isso é quase de certeza inevitável.
Como expliquei antes, algumas pessoas dão voz à necessidade de espaço numa altura em que já estão tão desgastadas que já não sabem se há amor. Nestes casos, a tensão pode escalar rapidamente e é mais fácil impedir que isso aconteça através da terapia.
Mas como é que podemos prevenir que a nossa relação chegue a esse ponto? Que escolhas podemos fazer para que nenhum dos membros do casal se sinta sufocado?
4 Dicas para evitar que um dos membros do casal se sinta sufocado:
1. Manter os próprios amigos.
É desejável que os nossos amigos se liguem ao(à) nosso(a) companheiro(a), que gostem dele(a). É desejável que haja amigos que passam a ser “amigos do casal”. É positivo que haja muitos programas a dois, capazes de trazer leveza e alegria à relação. Mas é essencial que cada um também invista nas suas ligações de amizade, que haja alturas em que possa sair sozinho(a) com essas pessoas. Quando investimos nas nossas amizades, temos, por um lado, a oportunidade de ter uma rede de suporte que nos impeça de colocar toda a pressão nos ombros do(a) nosso(a) companheiro(a) e, por outro, de trazer mais vivacidade e novidades para a relação.
2. Cultivar os próprios interesses.
Há poucas coisas tão atraentes como uma pessoa que alimente as próprias paixões. Já reparou na forma como se sente ao lado de alguém que fale de forma apaixonada do próprio trabalho, de um desporto de que goste ou de uma experiência nova? É quase sempre inspirador. Sentimo-nos mais vivos e entusiasmados.
Numa relação de longa duração pode ser desafiante incentivar a pessoa que amamos a lutar pelas suas paixões, continuar a praticar os hobbies que o(a) ajudam a relaxar ou fazer qualquer atividade que roube ainda mais tempo à dinâmica familiar. Mas esse é um esforço que compensa, sobretudo se quisermos evitar passar a olhar para a nossa relação como uma coisa monótona e sensaborona.
3. Manter uma postura de genuína curiosidade.
Quando a pessoa que amamos “reclama”, é fácil assumir uma postura julgadora. Muitas vezes sentimo-nos tão assoberbados pelos tantos papéis que temos para gerir, que acabamos por sentir-nos injustiçados. “Como é que ele(a) ousa queixar-se quando eu já tenho tanta coisa nas minhas costas?” Na esmagadora maioria das situações, estão ambos cansados e a conseguir fazer muito pouco daquilo que os ajuda a descomprimir e divertir-se.
Quando paramos para olhar para os desabafos da pessoa que amamos com abertura e curiosidade em relação aos seus sentimentos, sem os encarar como ataques pessoais, é mais provável que consigamos empatizar, mostrar a nossa solidariedade e encontrar soluções de compromisso (mas não perfeitas).
4. Surpreender o(a) companheiro(a).
Uma relação que nos faça sentir vivos e entusiasmados não é uma relação monótona em que partilhemos despesas, rotinas e responsabilidades. É muito mais provável que nos sintamos entusiasmados em relação à pessoa que escolhemos se o cinzento dos dias monótonos for intervalado por momento em que conseguimos surpreender a pessoa que amamos de forma a que ele(a) se sinta especial. Não me refiro apenas aos programas fora de casa ou aos presentes caros. Refiro-me sobretudo às escolhas que dão trabalho, mas podem ser concretizadas com regularidade. Quando fazemos uma refeição especial, ainda que isso implique ter ainda menos tempo para nós nesse dia, quando enviamos uma mensagem “picante” para o telemóvel dele(a) no meio de uma reunião familiar, quando trocamos a nossa série preferida por um serão de namoro, estamos a cuidar da relação e a impedir que ela esmoreça. Estamos a mostrar que há vida e entusiasmo em nós.