Como a ansiedade afeta a nossa relação com a comida

Lillian Barros // Setembro 8, 2021
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A pandemia e o confinamento vieram agravar os estados de ansiedade e depressão, comprometendo a saúde mental e o nosso bem-estar emocional. Sendo que só em Portugal, as doenças do foro psicológico representam a terceira principal causa de incapacidade, tornando-se claro que não devem ser desvalorizadas. E, claro está, a alimentação tem uma relação muito próxima com estes estados.

Sabia que a alimentação influencia estados de ansiedade e depressão? Quer seja pelo consumo excessivo, quer na procura de alimentos específicos (normalmente ricos em açúcares, sal ou sabores intensos), mas também no extremo oposto, como a recusa alimentar e a ausência de apetite profundo. Estas são situações despoletadas por sentimentos, estados de espírito e não por necessidades energéticas ou fisiológicas.

Comer para afogar as mágoas

Em consulta é muito comum relatos de pacientes que partilham que quando passam por fases mais tristes ou se encontram mais deprimidos, sentem uma maior vontade de comer. Normalmente, esta vontade surge “de repente” e de forma intensa, quase impulsiva. Habitualmente é específica por um alimento ou grupo de alimentos em particular, e mesmo após o seu consumo a necessidade persiste, levando a um consumo exagerado do ponto de vista de quantidade. Quanto mais comem, menos contentes se sentem consigo próprios e mais ansiosos ficam. Juntando à equação vem a sensação de culpa e de falha consigo próprios que geram desconfortos emocionais semelhantes aos da origem e que, muitas vezes, levam à repetição do comportamento. Volta e meia, mais lhes apetece comer, para afogar as mágoas quase como se associasse a forma de castigo. No fundo, este é um ciclo vicioso. E quando esta situação perdura pode, efetivamente, levar ao ganho de peso ou ao boicote de resultados aquando de um processo de emagrecimento.

Alimentos como recompensas

É típico usar a alimentação como recompensa, como reconforto ou como prémio, porque também a associamos a estados felizes: “Eu mereço, logo vou buscar um doce”. Este comportamento está intimamente ligado à nossa educação. Desde pequenos que os nossos pais e avós nos dizem que podemos comer uma sobremesa se nos portarmos bem ou comer o nosso gelado preferido se tivermos boas notas. Não comemos mais ou pior apenas quando estamos tristes, afinal de contas a felicidade também é festejada à volta da mesa, e isto é cultural. Quando fazemos anos, a celebração é feita com bolos, gomas, guloseimas, fritos e salgados. Para não falar dos banquetes de casamentos, baptizados e mais um sem fim de festejos. Muitas vezes a estes momentos felizes associamos alimentos de fraca qualidade nutricional  e excesso alimentar.

Mas, então, como controlar toda esta ansiedade e vontade de comer?

A principal estratégia é, nada mais, nada menos, do que tentarmos conhecermo-nos. Percebermos como o nosso corpo e mente funcionam.

A fome é a sensação provocada pela necessidade de ingerir alimentos e existem dois tipos de fome: a fisiológica e a emocional (ou psicológica).

Fome fisiológica vs fome emocional (ou psicológica): 

A fome fisiológica existe pois o nosso organismo tem de suprir necessidades energéticas e nutricionais através da ingestão de alimentos, fundamentais à sobrevivência e à manutenção da saúde. Por outro lado, a fome emocional (ou psicológica) é independente das nossas necessidades físicas. É uma vontade de comer em função do nosso estado emocional.

A fome fisiológica surge de forma gradual, intensificando-se progressivamente com o passar do tempo se não nos alimentarmos e dá sinais concretos como falta de energia, desconforto gástrico, sensação de estômago vazio, dores de cabeça, visão turva e fraqueza. Esta fome despoleta a necessidade de nos alimentarmos, mas não nos obriga a comer de imediato.

Contrariamente, a fome emocional surge subitamente, de forma intensa, quase como um impulso voraz e de necessidade de resposta urgente, envolvendo a ingestão de alimentos de forma inconsciente e automática. Ao contrário da fome física em que o corpo necessita de alimento, não existindo uma procura por um alimento específico, já a fome emocional é direcionada a um alimento ou grupo de alimentos específicos, normalmente ricos em açúcares ou gordura, que não é possível ser substituído.

Após a ingestão alimentar, a fome física é controlada e desaparece, enquanto que a fome emocional é normalmente associada a “saco sem fundo” e mesmo comendo em grande quantidade a vontade de comer mantém-se.

Quando as emoções promovem alterações fisiológicas

Na verdade, a ansiedade e o stress são mecanismos de sobrevivência muito importantes para todos os animais. No fundo, protegem-nos, visto que nos permitem pensar e agir rapidamente em casos de perigo e ameaça. No entanto, este mecanismo leva a uma rápida depleção do açúcar na nossa corrente sanguínea, já que estamos a alimentar muitos órgãos ao mesmo tempo. Como consequência, este desequilíbrio provoca-nos uma vontade intensa de comer especificamente o tal doce. Porém, em vez de cedermos a esta vontade de comer, é importante antecipá-la e agir sobre o fator que a despoletou.

7 estratégias para gerir a fome emocional:

1. Antecipar a fome.

Se passamos o dia a comer pouco e mal e saltámos refeições ao longo do dia, é natural que cheguemos a casa com uma fome desgraçada, o que tornará difícil escolher adequadamente o que vamos comer. Certamente, a fome é tanta que iremos pegar na primeira coisa que nos aparecer à frente, recaindo frequentemente a escolha em alimentos densamente calóricos, nomeadamente bolachas e refeições pré-preparadas. Portanto, junta-se a fome com a vontade de comer, reunindo-se a ansiedade com uma fatura em atraso daquilo que não consumimos durante o dia e, nessa altura, é muito mais complicado gerirmos as nossas escolhas alimentares. Por isso, devemos andar um bocadinho para trás e, em vez de procurarmos saciar-nos no momento exato da crise, devemos tentar controlar o apetite antes que ele aconteça. Para tal, é essencial identificarmos o que desencadeia esta vontade de comer. Perceber se é sempre no mesmo momento, por exemplo, quando os filhos finalmente vão para a cama ou quando chegamos a casa e relaxamos. Nestes casos, devemos lanchar qualquer coisa saudável antes de descompensarmos, ou seja, antes de nos surgir aquela fome cega de hidratos de carbono. Devemos antecipar a fome.

Se chegamos a casa já perto da hora de jantar e estamos esganados de fome, porque não antecipar a sopa do jantar? Se a consumirmos logo, acalmamos a fome, forramos o estômago com um alimento nutritivo e depois, quando realmente for hora, fazemos o resto da refeição. Assim, evitamos petiscar antes da refeição e comer o dobro ao jantar.

Se for durante a tarde ou à ceia, podemos ter ovos cozidos preparados para consumir, ou ter mini quiches sem massa só com ovo e restos do almoço, ou ainda optarmos por uma mão cheia de tremoços bem demolhados. Podemos também selecionar um iogurte, mas ter atenção e escolher um que não tenha adição de açúcar ou equivalentes. Se quisermos consumir um pão, devemos preferir a variedade integral, que é mais saciante e prolonga a saciedade por mais tempo, e devemos evitar os hidratos de carbono de absorção rápida. Por outro lado, os frutos secos, apesar de saudáveis, são extremamente calóricos, pelo que se houver dificuldade em controlar as quantidades, não serão a melhor opção.

2. Não fazer dietas restritivas! 

Mesmo que a quarentena tenha sido um período difícil e que tenhamos engordado, deixar de comer ou restringir completamente um grupo alimentar não é uma estratégia saudável, nem eficaz a longo prazo. Quando restringimos muito a nossa alimentação junta-se a ansiedade com a fome verdadeira – a fome fisiológica. Numa primeira fase até podemos perder algum peso, mas rapidamente recuperamo-lo.

3. Limitar o açúcar.

Quando fazemos uma alimentação completa e nutritiva durante o dia, não ficamos muitas horas sem comer, e ainda assim descompensamos, então temos de arranjar outra estratégia. É comum continuar a apetecer-nos o tal doce, porque o açúcar é, de certa forma, viciante. Por isso, é necessário fazer um “desmame” do açúcar. Para o fazer, não existe nenhuma fórmula mágica, sendo necessária uma individualização, que tanto poderá ser no sentido de um corte mais radical ou de um corte progressivo. Neste sentido, a canela pode ser uma ajuda, dado que estabiliza os níveis de açúcar no sangue. Podemos até colocar um pau de canela na água para a aromatizar.

4. Distinguir fome de sede.

O centro da fome e o centro da sede estão muito perto, razão pela qual se poderá tornar difícil reconhecer qual das duas efetivamente temos. Assim, quando estamos desidratados a nossa perceção pode ser a de que temos fome. Para contornar, uma estratégia é bebermos um bom copo de água antes de iniciarmos a refeição. Podemos também fazer uma entrada rica em água: sopa, salada, vegetais salteados, etc.. Adicionalmente, antes de dormir ou quando estamos mais ansiosos, podemos tomar uma infusão de lavanda, camomila ou passiflora, já que além de nos hidratar, ajuda-nos a relaxar.

5. Não levar as travessas e tachos para a mesa. 

É muito mais provável repetirmos e petiscarmos quando temos os alimentos facilmente ao nosso alcance. Deste modo, devemos servir-nos apenas uma vez e evitar este estímulo.

6. Evitar distrações à refeição.

Embora nos possamos não aperceber, tendemos a consumir mais quando estamos a fazer outras tarefas em simultâneo, como ver televisão ou comer enquanto nos deslocamos para algum lado. Deste modo, é importante concentrarmo-nos na refeição e fazê-la num local calmo. Para além disso, devemos saborear cada garfada/colherada/dentada e mastigar muito bem os alimentos, para darmos tempo ao nosso cérebro de percecionar a saciedade.

7. Evitar estímulos que facilmente se repercutam em escolhas menos saudáveis. 

Por exemplo, ter alimentos menos saudáveis ou cujas quantidades não consigamos controlar em casa, como bolachas, manteiga de amendoim, frutos secos. É natural que seja difícil resistir-lhes e vamos ter muito mais tendência a ir buscar “só” uma bolachinha e acabar por comer o pacote inteiro. Caso não seja possível, devemos procurar sair do local da tentação, por exemplo, evitar ir diretamente à despensa onde estão estes alimentos e parar um pouco para pensar se são realmente estes os alimentos que o nosso corpo precisa. Da mesma forma, se sabemos que passar pela pastelaria ou ir às compras com fome nos leva a fazer escolhas menos nutritivas, devemos evitar fazê-lo. Não significa que não possamos encaixar estes alimentos menos nutritivos na nossa alimentação. Significa, sim, que devemos guardar as exceções para dias excecionais. Equilíbrio acima de tudo.

Em conclusão:

Muito embora não consigamos controlar a ansiedade diretamente através da alimentação, conseguimos controlar os fatores que nos levam a juntar a fome com a vontade de comer. Para isso, é necessária uma abordagem individualizada, para conseguirmos estabelecer as estratégias que eficazmente nos ajudam a fazer a melhor gestão da nossa alimentação.

Para além disso, a ansiedade e o stress têm efeitos nefastos no nosso organismo, nomeadamente a libertação de radicais livres, pelo que a alimentação pode amenizar um pouco as consequências para a saúde e o envelhecimento precoce que estes provocam.

Por fim, mas não menos importante, nestas alturas de maior stress e ansiedade, devemos recorrer a apoio psicológico. Para sermos realmente saudáveis temos de estar bem física e mentalmente.

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