Cantei-te os parabéns num sussurro

Cristina Felizardo // Maio 24, 2019
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Ontem fizeste anos!

Fiz-te um bolo, daquele que tu gostas. Sabes? Aquele de chocolate com recheio de morangos.

Cantei-te os parabéns! Não foi logo. Primeiro acendi as velas e deixei-as assim, a arder. Abri a boca, mas as palavras não saíam. Não entoava nenhuma melodia. Ela passava em repeat na minha cabeça. Mas sempre que tentava cantar, o som recusava-se a assumir forma.

Por isso, assim fiquei, em silêncio, a ver as gotas de cera a formar uma camada por cima do bolo de chocolate com recheio de morangos. O teu preferido.

Foi só quando percebi que as velas estavam quase a chegar ao fim e se iriam apagar sozinhas que te sussurrei um “Parabéns a Você!” A música acabou e não houve palmas. E tu não vieste para soprar as velas. E eu não tive coragem de o fazer por ti. Já doía demais.

Naquele momento a vida devolvia-me a realidade real, aquela onde ando a aprender a viver sem ti. Aquela que ando sempre a tentar negar. Aquela onde negoceio ao segundo cada momento onde me é permitido sentir a esperança de que possas voltar para mim.

Espero-te.

Sim. Em cada segundo que te espero, em que te procuro, em que te busco, não dói tanto. Por isso deixei as velas arder. Enquanto elas estavam acesas e a música não era cantada, tinha mais uns segundos onde podia manter viva a esperança de que entrarias pela porta, de sorriso rasgado e olhos a brilhar, pronto para soprar as velas, que enfeitavam o topo do teu bolo de chocolate com recheio de morangos.

As velas apagaram. O bolo ficou estragado, inundado de cera. Os segundos de esperança terminaram. E com eles, a irreversível certeza de que tu não estás mais aqui. A verdade quadrada de que não voltas.

Não vens!

Mais uma verdade-quadrada. Digo quadrada, pois é como me sinto: presa num cubo. Sempre que a realidade-real me rouba os segundos de esperança, perco a possibilidade de sonhar sobre os possíveis caminhos de passado e futuro. No passado onde te encontro. No futuro, onde te esperava encontrar.

Bem sei que não são reais. São ilusões e expectativas. Bolas de natal na cabeça. Ilusões, como fantasmas de ti que me recuso largar. Expectativas, como projeções de ti que teimo em imaginar.

Fico confinada ao presente. E para onde quer que olhe: cima, baixo, para os lados, não te encontro. Uma verdade quadrada, portanto! Mas não é sempre assim. Eu sei! A realidade é só uma. As interpretações que fazemos dela é que dependem, de nós, do momento, dos outros.

Neste momento, eu queria estar contigo, a cantar-te os parabéns, a celebrar mais um ano de uma vida que deveria ser longa. Queria dar-te um beijo na testa e sentir o meu coração a transbordar de amor quente. Queria ver-te a devorar aquela fatia de bolo, para poder olhar para ti com aquele olhar reprovador como que a dizer para comeres mais devagar. Queria ter isto tudo novamente. Estas memórias do passado.

Neste momento, eu queria estar ao teu lado, quando soprasses as velas e fizesses os teus desejos para um futuro brilhante, ao lado do meu. Queria ver no tipo de homem que te tornarias. Queria estar lá para te aplaudir nos teus sucessos e te confortar nas tuas derrotas. Queria-te para sempre.

Queria-te.

Mas a realidade é só uma. Acaba com as ilusões e as expectativas. Foi o teu aniversário. Celebrei a data sem ti. E no momento em que o fiz, fiquei com a certeza inviolável de que estás preso no passado.

Fiquei com impossibilidade de te querer no meu futuro. Por isso, guardo-te em mim.

Guardo-te.

Bem dentro de mim. No baú das minhas doces memórias. Ali, onde sei que ficas protegido do passado que não volta e do futuro que não existe. Ali, és intemporal. Ali, guardo-te a ti. Simplesmente tu. Ao meu lado.

Assim, sei que sempre que perder mais uma bola de natal para a verdade-quadrada, posso revisitar-te a ti, sem ilusões e sem expectativas.

Ontem fizeste anos!

E hoje, eu resgatei-te do passado, para te guardar no meu futuro.

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