Querida Fátima,
Antes de mais Feliz Ano Novo, neste ano tão diferente, esta variante assustadora das festas, talvez nos traga de volta ao essencial, permitindo-nos, como a Fátima tão bem advoga, deixar que as coisas simplesmente fluam, para descobrirmos que não precisávamos para nada daquela agitação cansativa e desgastante em que, tantas vezes, estas semanas acabavam por se tornar.
Eu, por aqui, estive 14 dias em confinamento (profilático) porque contactei com uma pessoa positiva — que felizmente está bem —, e experimentei pela primeira vez na vida duas semanas em que não pus um pé na rua (exceto para ir fazer o teste!). E se, por vezes, me pareceu claustrofóbico, o balanço geral foi o de uma enorme tranquilidade: finalmente tinha uma “desculpa” para não andar a correr, culpabilizando-me por cada momento em que me sento no sofá a não fazer nada. Imagino que a Fátima, com uma vida muito mais intensa do que a minha, tenha um cantinho de si a desejar que alguém a mande ficar em paz e sossego (sem vírus, obviamente).
Houve, no entanto, uma atividade que não parei: a de fazer Birras!
Mas houve, no entanto, uma atividade que não parei: a de fazer Birras! Para além das que fazem parte do nosso dia-a-dia — a birra mais comum dos adultos é o amuo! —, desde o início do confinamento que eu e a minha filha Ana nos dedicámos às Birras de Mãe. Separadas pelo primeiro confinamento, criámos uma página nas redes sociais, e com o apoio do jornal Público que nos acolheu diariamente, começámos a trocar cartas em que uma avó/mãe, e também sogra, e uma mãe/filha, e logo de quatro, escrevem-se para falar dos medos, irritações, perplexidades, raivas, mal entendidos entre duas gerações que desejam a mesma coisa: que as suas crianças — filhos e netos — cresçam equilibradas e felizes. Espere, Fátima, é claro que também falámos da sensação de perfeita comunhão que, ocasionalmente, nos invade, e sobretudo rimos muito, sobretudo de nós próprias.
Birras de Mães
Confesso que não ficamos surpreendidas quando a comunidade de mães e avós birrentas começou a crescer de dia para dia, porque pressentíamos que, como nós, também as outras mães e avós estavam ansiosas por falar destes conflitos, sem a mordaça do politicamente correto, mas também sem agressividade e acusações gratuitas que não levam a nada. E, esse equilíbrio, por vezes é difícil de conseguir quando estão em causa sensibilidades tão ao rubro como a de uma recém-mãe e de uma recém-avó que, na verdade, trilham um caminho nunca antes percorrido. Eu fazia lá ideia do que era ser avó, do que custa por vezes ficar calada, na retaguarda, sem poder dar palpites sequer sobre como acabar com aquela birra do meu neto? Ou do que me ia custar não sacar da minha suposta sabedoria, para convencer a minha filha de que dar de mamar para lá dos seis meses não era bom para ninguém? E ela, que estudou educação de infância e estava mais do que preparada para as birras dos filhos, descobriu-se desarmada perante as “bocas” da mãe e da sogra, que lhe arrancavam o bebé do colo (mais irritante ainda, até conseguiam sossegá-lo), e lhe davam mil receitas de como conseguir uma noite inteira de sono…
Manual precisa-se!
É um terreno minado, e decididamente mães e avós precisavam de um “manual” de consulta para as ajudar a atravessá-lo sem demasiadas explosões. Daí termos decidido avançar para um livro, o Birras de Mãe, dividido em capítulos de fácil consulta (e que se pode oferecer à mãe/sogra… ou à filha/nora!). Amamentação, pedagogias, a quantidade tonta de doces que os avós gostam de dar aos netos, diz a Ana. “Hum, e a parvoeira das dietas glúten, lacto, tudo-o-que é-bom free dos pais”, respondo eu. E ela rebate: “Ou a mania dos avós acharem que os miúdos só fazem birras connosco”. A que reagi lembrando as modas das mães que amamentam até aos dez anos ou deixam que os filhos façam delas gato-sapato, para concluirmos — as duas — que se há coisas que nunca nos faltou foi material para as nossas cartas.

Agora o livro está aí. Espero que a Fátima se divirta com ele, e sei que vai comungar da nossa verdadeira causa: conseguir que as duas gerações de mães sejam capazes de conversar abertamente, preferindo a franqueza às “bocas”, na certeza de que nem as mães passam sem as avós, nem as avós sem as filhas/noras, unidas sempre no imenso amor por aquelas crianças que dão sentido a tudo.
Feliz Ano Novo.
Beijinhos