As dores do crescimento, quando já somos crescidos!

Cláudio Ramos // Abril 11, 2020
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Este ano, não há um dia que não me tenham dito “cresceste tanto”, referem-se ao nível profissional. A algumas dessas pessoas tento explicar que o crescimento de que falam não aconteceu este ano. A outras nem vale a pena explicar porque não iriam entender… 

O crescimento que damos de repente aos olhos do público, dentro de nós acontece há muito tempo. 

É, mais ou menos, o mesmo quando, um dia, olhamos para os nossos filhos e percebermos que cresceram depressa demais no meio do crescimento que nós próprios vamos fazendo. Eles, tal como nós, também foram crescendo… Nós é que só reparamos naquele dia, tal como as pessoas só agora reparam no nosso crescimento. 

Muitas vezes – e acho isto de verdade – a nossa maneira de crescer é muito diferente do que as pessoas acham, sentem ou imaginam. 

Sempre tive dentro de mim muito presente onde queria chegar, como profissional e, acima de tudo, como pessoa. O crescimento pessoal é o que mais me preocupa e inquieta, o outro vem por acréscimo e é quase sempre fruto do anterior. Se pensarmos bem, somos um todo e só somos felizes quando estamos bem em todas as nossas partes. 

Nunca concordei muito com o dito popular que diz que “só a dor faz crescer”. 

Não acho nada isso. Acho que podemos crescer sem dor, mas é inevitável deixar marcas, cicatrizes, coisas que vão ficando no caminho e que fazem parte da nossa bagagem, aquela que carregamos às costas até chegarmos onde queremos quando sabemos onde queremos chegar. 

Acredito que muita gente vagueia pela vida demasiado tempo sem dor, nem coisa nenhuma, porque não tem foco, nem sabe onde quer chegar. 

Eu sempre soube, e, talvez por isso, percebi logo que o caminho não seria fácil. Não foi. Não é. Mas, é o que eu escolhi e a melhor maneira de lidar com ele é encarar a verdade toda nos passos que dou na direcção daquilo que eu entendo ser o meu crescimento. 

Só sabemos que estamos na direcção certa quando chegamos à noite e, apesar das marcas marcadas no corpo e na alma, sentimos que valeu a pena. 

Adormecemos tranquilos e convencidos que é o melhor para nós, mesmo que o resto do mundo ache o contrário. 

Parte do meu crescimento pessoal passou por relativizar muito o que acha o mundo sobre o que decido. Não foi fácil, porque a profissão que me expõe em excesso e me alimenta permite que todos opinem sobre os passos que dou. Mas, a certeza do que faço não me deixa toldar pelas opiniões que chegam e raramente preciso de alguém para tomar a decisão que acho certa para mim. Sou assim em quase tudo, incluindo nas mudanças profissionais que me levam ao crescimento, como aconteceu recentemente. 

O meu objectivo é que tudo corra como sonhei e preparei mas, há sempre uma parte da história que não depende de nós – não precisamos ir muito longe para ver o que está a acontecer no mundo por conta de uma pandemia que nos apareceu para descontrolar tudo e nos obriga a pensar. Universo à parte, claro que em qualquer passo forte que se dá na direção que escolhemos há uma dor – esta aceito – a dor de crescimento, que nos tira horas de sono porque crescer é feito de escolhas e qualquer escolha feita deixa para trás coisas que fizeram parte de nós e que não necessariamente as queríamos afastar. Pelo contrário, muitas vezes queríamos estar ali, ficar presos àquela sensação, àquela noção de estabilidade, de conforto a uma espécie de amor, porque a rotina é uma espécie de amor, mas que não nos preenche na totalidade e depois de algum tempo já nos sentimos apertados no espaço e os pensamentos já são maiores para caberem onde estamos, precisamos, por isso, dar passos na direcção do crescimento. 

Imaginem uns sapatos de que gostam muito, não estão gastos ainda, mas já não servem. Não os deitamos fora. Guardamo-los num lugar precioso porque nos trazem boas memórias da caminhada que fizemos juntos, mas não podemos continuar a andar com eles. Já não nos são confortáveis. Isto não é mau, é apenas uma mudança de sapatos, de estilo, de caminho… Aceitamos que os colocamos ali de lado, calçamos outros e seguimos em frente. A dor de deixar os sapatos de lado é aquilo a que chamo ‘dor de crescimento’, mas que é profundamente necessária para chegarmos onde queremos de forma saudável e, acima de tudo, verdadeira, sem a dor física no dedo do pé. 

Sempre achei que a principal verdade do caminho tinha de a saber eu. 

Eu é que tenho que estar confortável com o meu caminho e eu é que tenho que sentir nele verdade. 

Não podemos achar que crescemos a agradar aos outros, isso é mentira. 

Somos como somos e se os outros gostarem de nós assim, ótimo, ficam agregados para a vida independente do caminho que fizermos com os novos sapatos, que mais dia menos dia, também serão postos numa outra caixa, porque é preciso voltar a trocar porque se darão outros passos para crescer. 

Crescer faz parte de todos nós, é um direito que temos e uma obrigação fazê-lo porque senão passamos pela vida e corremos o risco de olhar para trás e a única coisa que nos aparece à frente é a palavra ‘arrependimento’. 

Sabem como é, não é? Claro que sim! Todos já deixamos de fazer uma ou outra coisa porque achamos que não era o momento ou iríamos decepcionar alguém. Não pode ser. Quando o nosso coração nos pede para crescer, não o podemos trair. Devemos seguir o que diz e seguir em frente. 

Eu sou muito rápido nas decisões que tomo, assumo todas as responsabilidades e muitas vezes nesta vida tomei decisões das quais me arrependi logo a seguir, mas assumi as responsabilidades porque isso é crescer também e saber lidar com os contras das expectativas que tínhamos para determinada situação. 

Acho que depois dos quarenta levamos as dores do crescimento mais a sério, mas também depois dos quarenta senti a necessidade de abrandar nas escolhas, ser mais selectivo nas pessoas e menos tempestivo. 

A idade, além de rugas e cabelos brancos, traz-nos ensinamentos contra os quais andamos uma juventude inteira a lutar sem sabermos que esta coisa maravilhosa chamada ‘vida’ mete tudo no lugar certo na hora certa. 

Quando eu era muito jovem dizia a quem me rodeava: “Vou ser apresentador de televisão”. Eu vivia num lugar longe de Lisboa – onde tudo acontecia – e a reação da maioria das pessoas a quem contava isto era o riso. Agarrava no riso e fazia-lhe frente. Crescia. 

Quando era jovem e comecei a trabalhar na rádio dizia sempre que era o caminho para a televisão. Quando contava isto, colegas meus encolhiam os ombros e riam-se. Agarrava no riso e fazia-lhe frente. Crescia.

Quando, depois dos vinte anos, cheguei à televisão como comentador e disse que queria o lugar de apresentador, companheiros de trabalho davam-me palmadinhas nas costas, diziam que sim com ar condescendente e riam-se. Agarrava no riso e fazia-lhe frente. Crescia… Por isso, quando de repente todas as pessoas olham para mim e se sentem surpreendidas porque cheguei onde queria, só podem ficar surpresas porque não me acompanharam o caminho, porque é preciso fazer um caminho para se chegar. Ninguém chega de geração espontânea. 

Há um caminho muitas vezes difícil de fazer. 

Mas fez-se. Faz parte do crescimento. Sem ele, crescer não tinha graça e chegar a adulto não nos realizaria tanto. Por isso, quando este ano me dizem “cresceste tanto”, apetece-me dizer-lhes: “Não cresci este ano. Venho crescendo há vinte, vocês é que só repararam agora na urgência de viverem apenas o vosso crescimento, esqueceram-se de olhar à volta”. Podia chamar-lhe egoísmo individual, mas prefiro achar que é a distração dos tempos modernos. 

Nota: Fotografia destaque por Verónica Silva

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