Aquele era o meu grande aquário e para respirar sozinha era preciso passar os portões que nos isolavam para o mundo exterior.
A Laura, guardiã do portão imenso, vivia o dia atenta ao toque de uma sineta bem como aos nossos movimentos, e sair daquele mundo cercado de muros era uma odisseia, ou uma permissão arrancada a ferros.
Tanto espaço para brincar longe do bulício que se dizia haver do lado de fora, naquela vila pacata plantada num vale onde corre um rio e o sol se despede cedo demais.
Andar de trotineta a fazer as curvas do jardim acanhado, sonhar com a tão desejada bicicleta a evitar as pedras da calçada e repetir vezes sem conta os trilhos, sempre os mesmos, quando lá fora havia braços de alcatrão para poder voar…
Aquelas paredes tinham cor e da estrada que se debruçava sobre a vila destacava-se do casario branco, vaidosa, a mostrar-se lá de longe, a impor-se majestática, misteriosa, com os roncos que se adivinhavam fora de muros sem saber que monstros eram aqueles que a habitavam.
Cresci ali a esmurrar os joelhos, a saltar sobre os fardos de lã como se fossem uma piscina inventada, a ouvir as conversas de quem dava vida às máquinas, a aprender outros mundos que todos os dias atravessavam aquele enorme portão e se fechava ruidoso pela manhã.
No final do dia destrancava-se o ferrolho e aquele portão abria-se largo para a vida que ficara do lado de fora.
Lá dentro voltava a instalar-se o silêncio…