Aprender a desapegar

Diana Gaspar // Dezembro 27, 2023
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Faz parte da nossa natureza apegarmo-nos ao que temos e somos, não largarmos aquilo que nos acrescenta valor e criarmos expectativas sobre algo que nos pode acontecer. Para além disso, lidamos todos mal com a perda, porque aquilo que temos e as relações que nos envolvem também nos caraterizam e contribuem para a criação da nossa identidade e de vínculos relacionais. Envolvidos nestas diferentes necessidades vinculativas, muitas vezes nem percebemos se os contextos ou as coisas a que estamos apegados e agarrados, nos fazem bem ou mal. Simplesmente temos medo de perder e tememos o que pode vir. 

Desta forma, ficamos apegados a tudo isto como se tudo o que somos se resumisse àquele amor não correspondido, à família traumática, ao emprego sempre sonhado, à imagem social construída ou àquilo que nunca conseguimos atingir. Apegamo-nos tanto a tudo isto porque tudo isto também constrói quem somos. Se nos vemos em função de um relacionamento, de um passado, de um estatuto, de um trabalho ou de uma série de convicções, isso significa que se nos desapegarmos de tudo aquilo que nos dá ou deu rosto, é como se nos perdêssemos dentro de nós e dos outros

Vivemos apegados ao que, de alguma forma, nos dá alguma certeza de quem fomos, de quem somos e de como podemos continuar a ser e a viver. 

Afinal, se já sabemos quem somos num determinado relacionamento, quem seremos sem ele? Se temos uma determinada imagem explícita no trabalho que desempenhamos, quem seremos sem ele? Este é um dos factores mais determinantes pelo qual temos tanta dificuldade em nos desapegarmos, mesmo que esse apego ou essa identidade nos traga mais sofrimento que bem-estar, e nos mantenha mais reféns da dor, do que livres dela. Para além disso, quando parte da nossa identidade está na família que construímos, no trabalho que alcançámos, nos amigos que temos e nas coisas que fomos conquistando, tudo isto dá-nos alguma certeza de quem fomos, de quem somos e de como podemos continuar a ser e a viver. Esta noção de certeza passada, presente e futura, dá-nos estrutura e uma aparente estabilidade, por muitas dores que nos traga também. Relembro a este propósito, que há muitas relações que se mantém, mesmo quando já não há percepção de amor, porque o casal já sabe com o que contar um do outro. E muitas destas relações até são bastantes disfuncionais e tóxicas, no entanto, são previsíveis e dão um rosto e uma identidade.

E se o passado parece ser a dimensão mais difícil de desapegar, o futuro poderá vir logo atrás. 

O futuro em si, só existe em forma de pensamento, mas é um pensamento forte e poderoso que nos dá a sensação de continuidade, ganhando protagonismo pelas expectativas que cria. Em si, as expectativas não são boas nem más, podendo ser boa ou má a forma como lidamos com elas. Se por um lado elas podem orientar e motivar, por outro podem atrapalhar e complicar a vivência e a  transformação de determinadas experiências. Aceitar que os desafios têm obstáculos, libertar da ideia de que sabíamos qual era a melhor altura para determinadas coisas acontecerem e da crença que controlamos quase tudo, dá a oportunidade de transformar cada dor e perda em aprendizagens, conhecimento e força. Desapegar é aceitar que a vida tem um fluxo natural que pode não estar em alguns momentos, não corresponder ao que queríamos ou precisávamos, percebendo que querer controlar este fluxo é desperdiçar energia em situações inalteráveis.

O trabalho de desapego é profundo, muito profundo, porque nos obriga a ir mais além da história vivida, imaginada e projectada. 

Desapegar é sobre questionar quem somos, onde estamos e como nos sentimos, assim como também é sobre questionar uma identidade e uma imagem construída, dando espaço para a reconstrução de outras partes do que somos e podemos ser. Quando deixamos de avaliar a vida que temos em função do que acreditamos ter sido, e passamos a questionar porque estamos apegados ao que estamos, abrimos um caminho de novas oportunidades. 

Do perceber, ao integrar e transformar no dia-a-dia, vai uma grande distância.

Um trabalho de desapego tem sempre implícita a necessidade de questionar TUDO aquilo em que acreditámos que nos define e constrói, a nossa história e identidade, e, por outro, a necessidade de criar novas ferramentas pessoais, mentais e emocionais para olhar e interpretar situações futuras com outro poder de análise, reflexão e resposta. Isto porque, do perceber, ao integrar e transformar no dia-a-dia, vai uma grande distância. Mas mais do que questionarmos tudo aquilo que acreditamos ser e tudo aquilo que vivemos, precisamos de mais consciência e luz para integrarmos as experiências novas que vão surgindo. Isto porque, a probabilidade de continuarmos a tirar as mesmas conclusões e a sentir emoções semelhantes de situações idênticas é grande. A maior parte das vezes mais do que agir e processar a experiência, em função do que acontece no momento, reagimos às situações em forma de gatilho por associação a experiências idênticas no passado. A prática do desapego em si exige um trabalho sobre a forma de viver, sentir e interpretar as experiências no presente e não em função das suas experiências passadas. 

Forças que melhoram a qualidade de vida e promovem bem-estar

Peterson e Seligman, no livro Character Strengths and virtudes (2004), explicam a importância de desenvolver determinadas forças que melhoram a qualidade de vida, servindo também como amortecedor para momentos mais desafiantes. Assim sendo, explicam a importância das Forças de Sabedoria e Conhecimento (criatividade, curiosidade, abertura de espírito, o gosto por aprender e a sabedoria); as Forças da Coragem (coragem, persistência, integridade e vitalidade); as Forças de Humanidade (amor, gentileza e inteligência social); as Forças de Temperança (perdão e misericórdia, humildade e modéstia, prudência e a auto-regulação) e as Forças de Transcendência (a apreciação da beleza e da excelência, a gratidão, esperança, humor e a espiritualidade) como promotoras de bem-estar e essenciais para o crescimento humano. Desapegar é crescer, é deixar de ver o mundo numa só perspetiva e ganhar outros ângulos, estados emocionais, clareza e maturidade.

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