Uma das dúvidas mais frequentes dos pais passa por saber como devem lidar com as chamadas birras das crianças e como é que podem acabar com elas. Na verdade não gosto muito da palavra birra porque dá um sentido pejorativo à expressão da criança, como se ela não tivesse o direito de se expressar daquela forma. Por isso, em primeiro lugar, é importante compreendermos que não precisamos de acabar com estas expressões mais descontroladas das crianças e que elas não são o problema nem o inimigo e não significam que exista necessariamente algo de errado com a criança.
Quando é que podemos dizer que existe um problema?
Sobretudo quando a criança não se deixa confortar pelos adultos nos momentos de birra. Se temos muita dificuldade em ajudar os nossos filhos a voltarem a regular-se nestes momentos isso pode ser sinal de que não estamos a ser capazes de os ajudar nesse processo de aprendizagem tão importante. Porque estes momentos podem ser momentos de aprendizagem importantes, sim. Não no sentido em que muitas vezes pensamos: não são alturas para dar lições nem para a criança aprender como se deve ou não comportar, mas são momentos para aprender que pode confiar nos adultos. Pode confiar que estes a ajudarão a integrar tudo aquilo que está a sentir e que saberão mantê-la segura e protegida durante estas explosões mais descontroladas. Esta é mesmo a mensagem principal que precisamos de transmitir aos nossos filhos nestes momentos: que somos capazes de acolher as suas emoções e de os ajudar a integrá-las.
Precisamos de mostrar que as emoções deles não nos assustam, não nos intimidam e que não são erradas. Porque não existem emoções erradas.
As emoções são algo que nos acontece em resposta a algo externo ou interno. Por exemplo, se eu tiver uma dor muito forte, posso sentir medo.
As emoções servem para nos levar a agir, por isso, por si mesmas, elas não são boas nem más. E também não são algo que possamos controlar, ao contrário do que se costuma pensar.
Precisamos de ensinar os nossos filhos a lidarem com as suas emoções, aceitando-as e integrando-as como parte da sua experiência.
As crianças mais novas sentem as emoções de uma forma mais crua porque o seu cérebro ainda não se desenvolveu o suficiente para as temperar com um lado mais racional. Só a partir dos seis, sete anos de idade é que começa a desenvolver-se uma zona do cérebro que permite que as crianças comecem a ser mais capazes de pensar sobre as suas emoções e também de controlarem os impulsos que estas naturalmente acordam nelas. Por isso, as crianças explodem muito mais do que um adulto e também de forma muito mais descontrolada e intensa, porque os seus filtros ainda não estão desenvolvidos. E não podemos fazer absolutamente nada para apressar este crescimento, só podemos criar as condições necessárias para que ele aconteça.
Este amadurecimento do cérebro não pode ser ensinado nem treinado e precisa que algumas condições existam para que ele se torne possível. A principal é a segurança: as crianças precisam de se sentir seguras com os adultos para serem capazes de lidar com as suas emoções. É esta capacidade de lidar com as emoções e de as integrar que faz com que o cérebro amadureça, mas se a segurança não existir este amadurecimento pode demorar mais tempo ou nunca chegar sequer a acontecer. Por isso é que existem tantos adultos tão imaturos.
Os momentos das birras não servem para ensinar lições nem dar sermões, nem para resolver problemas, até porque nem as crianças estarão com disponibilidade para as ouvir nem nós para as ensinar.
Estes momentos servem, acima de tudo, para sermos capazes de demonstrar que as aceitamos, acolhemos as suas emoções e as conseguimos manter seguras. Então um aspecto fundamental é que sejamos capazes de mostrar que aceitamos as emoções mesmo quando não gostamos do comportamento. Mesmo que acreditemos que aquele comportamento precisa de ser corrigido, as emoções precisam de ser aceites.
Como lidar com a frustração e acolher as emoções das crianças?
Muitas vezes os pais têm medo de lidar com esta expressão emocional intensa e descontrolada das crianças porque não conseguem lidar com as suas próprias emoções, porque têm dificuldade em integrar a sua própria zanga ou a sua própria tristeza ou frustração e, por isso, não conseguem lidar com as dos seus filhos. Nestes casos geralmente existem duas saídas: ou ficam muito focados em tentar parar aquela expressão tentando distrair a criança do que sente a todo o custo ou cedem imediatamente aos seus pedidos para não terem de lidar com aquilo. Estes dois caminhos ensinam às crianças que as suas emoções são perigosas, são tão perigosas que os pais fazem tudo para não lidar com elas. E com o tempo, se repetirmos muito isto, isso vai fazendo com que a criança aprenda que precisa de se defender dessa emoção e essa defesa passa por se desligar dela. Isto quer dizer que a emoção acontece na mesma mas já não passa pela consciência e é aqui que podemos encontrar a raíz de muitos problemas até na idade adulta: neste desligar do corpo e da manifestação de determinadas emoções que acontecem nele por não sabermos lidar com elas. Porque as emoções despertam sempre determinadas sensações, têm uma componente física e biológica importante, por isso, para as ignorarmos temos também que nos desligar do corpo.
Precisamos de transmitir aos nossos filhos que é seguro entrarem em contacto com as emoções deles, mesmo as mais intensas e mesmo as que são expressas de forma mais descontrolada.
É muito importante também que sejamos capazes de transmitir que a ligação que têm connosco está intacta, sobretudo com as crianças mais pequenas. Porque antes dos seis, sete anos de idade, as crianças não conseguem ter sentimentos ambivalentes, por isso quando estão zangadas estão só zangadas e não conseguem perceber que é possível estar zangado e gostar de alguém ao mesmo tempo. Por isso quando os pais se zangam muito elas ficam com muito medo que os pais já não gostem delas e é importante transmitir que isso não é verdade.
Isto não quer dizer que temos que ficar impávidos e serenos perante as explosões dos pequenos, isto não é realista e nem sequer é necessário: quando temos uma criança em pleno modo de explosão e descontrolo emocional é suposto que isso provoque também em nós alguma reação. Na verdade as crianças precisam também desse espelho, precisam de sentir que as suas emoções provocam algum efeito em nós, têm algum eco. E nós também precisamos de contactar com as emoções delas para sermos capazes de transmitir uma atitude empática. Então não precisamos de ficar em modo zen, mas também é importante saber que não é bom que mostremos descontrolo, claro. E, acima de tudo, sempre que dizemos ou fazemos algo de que depois nos arrependemos é importante assumir que temos a responsabilidade de reparar a relação, de mostrar que continuamos a gostar deles. Podemos fazer isto com um pedido de desculpas ou não, mas o essencial é que as crianças saibam que a relação está intacta e que nós nos lembremos que é o papel do adulto cuidar da relação, nunca da criança.
É fundamental também transmitir que elas não são responsáveis pelos nossos sentimentos.
Não podemos dizer a uma criança que estamos muito tristes com ela ou muito zangados e que isso só vai passar quando ela nos pedir desculpa. Porque este é um peso demasiado grande para as crianças carregarem. São os adultos que são responsáveis por aquilo que sentem e as crianças não têm responsabilidade nenhuma sobre isso. Dar-lhes esse peso só cria insegurança e ansiedade.
As crianças não fazem birra para conseguir alguma coisa.
É importante desconstruir esta ideia de que as crianças fazem birra para conseguir alguma coisa. Isto implicaria que as crianças tivessem uma capacidade de previsão e de auto-controlo que até para um adulto poderia ser difícil. As crianças não fazem birra para conseguir nada, nem se descontrolam com nenhuma intenção específica. As crianças fazem birra quando ficam muito frustradas porque, a determinada altura, alguma coisa não estava a funcionar para elas. A frustração é uma emoção intensa que provoca uma reação que pode muito facilmente levar ao descontrolo emocional e comportamental em algumas crianças (e até em alguns adultos), por isso o nosso papel precisa sempre de ser o de as ajudar a restabelecer esse controlo, integrando essa frustração e lidando com a tristeza que está sempre por trás dela.
A auto-regulação de que tanto se fala e que, por vezes, se diz que as crianças precisam de aprender na verdade é um mito.
A principal estratégia de regulação dos seres humanos é mesmo a co-regulação: precisamos que as outras pessoas nos ajudem a lidar com as emoções e a integrar o que sentimos e, se isto é válido para os adultos, para as crianças mais ainda porque o seu cérebro e o seu sistema nervoso ainda são muito imaturos para serem capazes de fazer sozinhos esse caminho. Por isso, o mais importante mesmo para que os nossos filhos sejam capazes de aprender a lidar com as suas frustrações é terem uma relação segura com um adulto presente e disponível para as ajudar a lidar com as suas emoções.