Afinal, é possível prevenir o burnout?

Maria Antónia Frasquilho // Julho 3, 2024
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Sem dúvida que é possível prevenir o burnout. O estado de colapso laboral, caracterizado por exaustão, despersonalização e insatisfação profissional, resulta de uma longa, insidiosa e dolorosa consumição no trabalho. Para evitar esse caminho, é essencial adotar medidas preventivas.

A melhor prevenção começa com a promoção da saúde e a adoção de estilos de vida saudáveis, sempre que possível. Embora os determinantes da saúde sejam variados e possam incluir doenças graves, pobreza, catástrofes e guerras, é crucial reagir de forma positiva às adversidades. Em Portugal, a maioria das pessoas não enfrenta essas extremas adversidades, o que permite uma visão mais otimista e realizável de uma vida boa.

Alcançar literacia geral e desenvolver competências para lidar com a vida são fundamentais na promoção da saúde. 

A resiliência, que não é algo estável nem inato, mas, sim, uma habilidade aprendida e treinada, permite enfrentar, superar e fortalecer-se com as adversidades. O autoconhecimento é essencial para atuar de forma resiliente, compreendendo os próprios potenciais, recursos e limitações. Quem não se conhece, não entende para onde quer ir. Assim, sem autoconhecimento, é mais fácil perder-se e chegar ao burnout.

Ter as ideias no lugar é outro alicerce. 

É necessário ter uma visão realista do mundo, aceitando que o mundo não é um lugar perfeito e que frustrações fazem parte do quotidiano. Evitar transformar pequenos contratempos em dramas é crucial. Não se confunda acontecimentos desconfortáveis mas que fazem parte plena do existir com traumas insuportáveis. Há excessiva tendência para se ser “floco de neve”, um pequeno melindre é facilmente transformado em drama. Precisamos de mais ação construtiva, de menos medo, de mais determinação na construção do bem comum. A ação construtiva, a confiança em si mesmo, a capacidade de reconhecer erros e a disposição para aprender são alicerces para a boa saúde mental. E, a saúde relacional, que inclui a capacidade de colaborar e apoiar, é igualmente importante.

Quais são os sinais de alerta de burnout?

No caso do burnout são sinais de alerta: o perfeccionismo, a idealização das coisas e fraca tolerância à frustração, a dependência obsessiva pelo trabalho, a pressa crescente, o desejo de ter controlo total, o só se sentir válido se for o melhor, se estiver sempre disponível ou se puser tudo e todos à frente das suas necessidades. Renunciar a essas armadilhas mentais já é prevenção.

Há mesmo que interiorizar como somos e o que nos assenta melhor. 

Hoje em dia está na moda defender um abrandar da velocidade, um apostar na simplicidade, de contemplar as paisagens próximas, de não querer muito, de apreciar mais o momento do que o atingir de metas, de não se incomodar com as chatices do mundo. Faz-se valer a construção duma espécie de casulo mental para nos sentirmos protegidos. E tal, por si só, não é necessariamente válido. O que seria de nós sem os fazedores, aqueles que se dedicaram às causas do mundo, mesmo sofrendo com isso? Sem heróis como Madame Curie, pioneira no estudo da radioatividade; Martin Luther King Jr., ativista dos direitos civis na luta contra a segregação racial e autor do célebre discurso “I Have a Dream”; e Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna, que se expôs durante períodos de guerra? Sofreram, sem dúvida – e muito! – mas não acabaram em “apagão físico e mental” (burnout). Porquê? Tinham um propósito e um sentido de vida, e demonstraram resiliência, sem dúvida.

Todos somos diferentes. Alguns têm mais tolerância às adversidades, outros menos. 

Há quem prefira um dia a dia rotineiro e organizado, enquanto outros se sentem mais à vontade com a criatividade e o imprevisto. Alguns fazem dos seus sonhos um fluxo pacificador e estão tão absorvidos em realizá-los que não se cansam. Mas também há quem prefira o recato, a meditação e o deixar andar. Alguns privilegiam o evoluir internamente em busca de um sentido de si, enquanto outros preferem agir externamente, não como seres superficiais mundanos, mas como agentes capazes de deixar um legado à humanidade. Não se classifique como pior ou melhor pessoa, mais ou menos válido. Precisamos de respeitar a diversidade e que cada um saiba respeitar a sua integridade.

O segredo é a arte do equilíbrio impermanente numa corda que é a vida, totalmente instável. Saber até onde pode ir sem causar dano a si mesmo. 

Seja a pessoa que pode ser, mas não seja categórico, ninguém é definitivo. Cada dia é uma oportunidade de desenvolvimento. Pode afinar o melhor uso do tempo, a alimentação mais propícia, investir no relaxamento mental que pode ser exercício físico, convívio social, realização de atividades criativas, dançar, cantar, explorar o mundo, descansar, dormir, tudo serve. Atenção: cada qual tem as suas preferências, não se deixem conduzir como acéfalos. É um erro “relaxar à força com o método X ou Y”. A maioria acaba pior do que quando começou.

Respeitem a cada passo os vossos limites e para isso há que estar atento aos sinais de que está a entrar em perda séria no trabalho. 

O corpo fala. É preciso escutá-lo: insónias, sensação de cansaço exagerado, nervosismo, percepção de maior distração, falta de memória, dificuldades de raciocínio, dores de tensão muscular, alterações do apetite, diarreias, palpitações, tensão alta, maior tendência a adoecer, seja qual for a área. Estes são avisos análogos à sensação de que já não se consegue ter o desempenho de antigamente, de que se tem de levar o trabalho para casa, que já não se pode ter vida social e que o lazer simplesmente não tem lugar. Quando a exasperação da luta dá lugar ao esgotamento depressivo, quando se perde a esperança, reage com cinismo ou é conflitual, já é vítima de stress mal gerido. Degrada-se e, simultaneamente, degrada o ambiente relacional e produtivo com a sua severa insatisfação, o que pode levar à procrastinação, erro, acidentes e, eventualmente, ao burnout. Pior do que o primeiro burnout é o segundo, e o terceiro pode ser fatal. É por isso que deve passar do lugar de vítima para o de corresponsável pelo seu bem-estar.

Reconhecer e procurar ajuda profissional

O que faz com esses avisos? Não os reconhece, abafa-os, tenta resolver sozinho? Errado! O mal cresce como uma bola de neve. A prevenção passa por procurar assistência, e quanto antes melhor. Tem preconceito quanto à vida emocional, acha que as doenças mentais são uma vergonha, que ir ao psiquiatra é para malucos? Pior! A prevenção é fazer a coisa certa. Certo é dirigir-se ao cardiologista se tem sintomas cardíacos. Certo é ir ao obstetra se está grávida. Certo é consultar um médico psiquiatra se está em sofrimento mental. Sugere-se que construa com ele o seu próprio e único plano de tratamento e recuperação. Poderá necessitar de baixa médica ou não, de tomar medicamentos ou não, mas o aconselhamento e a psicoterapia têm de fazer parte. Seja um parceiro ativo, mas não complique. Há pessoas que primeiro precisam de deixar de tentar controlar tudo, pois são como vírus para si mesmas e vampiros da energia dos outros.

E quanto à responsabilidade dos empregadores? 

Se o burnout é uma condição de trabalho que excedeu as capacidades da pessoa de se proteger ou superar, então é no trabalho que se deve fazer a prevenção. Todos sabem que ritmos infernais, sobrecargas, desorganização, trabalho por turnos sem as devidas pausas compensatórias, ausência de meios suficientes, quer humanos quer materiais, desregulação das exigências e das compensações, e assédio moral são causas certas para o burnout. Mas é muito mais do que isto. Todos os chamados fatores de risco psicossocial causam stress negativo. Se a exposição do trabalhador for prolongada, e se este, devido às suas características pessoais e de contexto de vida, não conseguir defender a sua integridade físico-psíquica, temos burnout que poderia ter sido evitado. Daí que existam orientações legislativas, regulamentos e compromissos para a defesa da saúde e segurança do trabalhador. Serão cumpridos? Quando não são, o trabalhador deve afirmar-se e pugnar pelos seus direitos. A participação nesta área é muito importante, quer diretamente, quer através dos representantes dos trabalhadores ou recorrendo aos serviços de medicina do trabalho e de saúde e segurança, ou até à ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho.

Burnout: Um guia completo de prevenção, tratamento e reabilitação

No livro que escrevi “Burnout: Um Guia Completo de Prevenção, Tratamento e Reabilitação” constam dicas importantes ao nível individual, das empresas e dessa interação holística, sistémica, tão dinâmica e abrangente como é a vida global. A melhor sugestão é não receie o mundo em tamanha mudança, seja versátil, seja um analista, um descobridor de soluções, um visionário, um colaborador e um fazedor. Mantenha os bons valores em tudo o que faz. Respeite os outros e a si mesmo. Perante as dificuldades, quando o vento sopra contra nós, ajeite a vela, equilibre-se e desequilibre-se com a mesma garra esperançosa. Persista mas não teime, às vezes há que deixar-se ir com as ondas. Viaje a vida acompanhado, a jornada fica mais fácil e pode ir mais longe. Construa propósitos e dê sentido à sua existência. Viva cada dia o melhor que for possível. Seja suficientemente bom naquilo que faz. Seja uma pessoa de bem.

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