Em reportagem para o meu programa Caixa Mágica, tive a felicidade de conhecer uma família portuguesa-ucraniana que vive em Portugal, há mais ou menos 20 anos.
Iryna veio a Portugal pela primeira vez, como uma mera turista, aconselhada por uma amiga.
Apaixonou-se pelo nosso país e, quando terminou a sua licenciatura em línguas na Ucrânia, foi aqui que quis viver. Trabalhou em áreas muito diferentes daquelas em que estudou, mas manteve a decisão de ficar porque sempre gostou do nosso país e dos portugueses.
A paixão pelas línguas, acabou por a levar ao encontro daquele que é, há muito, o seu marido.
Apesar de trabalhar em engenharia, teve sempre uma imensa vontade de saber mais sobre línguas estrangeiras. As redes sociais permitiram que se conhecessem e o tempo tratou do resto. Deste casamento nasceu um filho, agora com 18 anos.
Iryna nunca deixou de visitar o seu país, até porque ainda tinha lá alguma família.
Nos últimos anos, restava o pai, a cunhada e a sobrinha. A mãe já falecera e o seu único irmão também, deixando a filha, Mariia, sem pai. Antes da pandemia, Iryna recebeu a sobrinha Mariia em sua casa, para passar férias com os tios e o primo.
Mariia apaixonou-se pela cidade da Maia e pelos portugueses.
A partir daí perguntava muitas coisas à tia sobre Portugal e, como era uma apaixonada por música, pediu-lhe também músicas de jovens cantores portugueses.
Mariia estudava música na Ucrânia.
A tia mandou várias melodias, entre elas, as músicas da Sara Carreira. Mariia gostou particularmente destas e começou a acompanhar a carreira da Sara. Quando a tia a informou que a Sara tinha falecido, a menina chorou muito. Sem saber explicar como, criou uma ligação afetiva com a jovem cantora.
Quando rebentou a guerra na Ucrânia, Iryna aceitou a ajuda da Câmara Municipal da Maia, para trazer os seus familiares.
Só viria o pai e Mariia. A mãe de Mariia decidiu ficar no seu país e lutar por ele. Mariia chegou numa sexta-feira e na segunda já estava na escola. Tem apenas 13 anos e uma vida já com marcas profundas. A sua querida tia, procurou um local onde ela pudesse continuar os estudos de música. Descobriu um coro de jovens pertencente à autarquia e inscreveu-a.
Mariia já tinha escrito uma música de homenagem à cidade da Maia e, sem falar uma palavra em português, cantou-a surpreendendo tudo e todos.
Mas foi mais longe. Começou a aprender o hino da Associação Sara Carreira e quando estava em Portugal, há apenas um mês e meio, já sabia cantar na perfeição, parte da música.
Quando a conheci, pouco conseguimos falar. O seu português era muito reduzido e o inglês também. Entendemo-nos na perfeição, na linguagem dos afetos.
Tivemos uma grande cumplicidade as duas e isso encheu-me o coração. Desafiei-a a vir com a tia ao programa, no dia em que exibíamos a reportagem e a cantar ao vivo, esse bocadinho da música que ela já aprendera. Poderia trazer a folha com a letra para poder ler, como tinha feito na reportagem. Mas a Mariia é uma lutadora. Quer superar os desafios e vencer.
Sem que ninguém esperasse, a Mariia cantou o hino Sara Carreira completo, sem nunca precisar de um apoio. Foi extraordinário e profundamente emotivo.
A menina que chegou na companhia do avô e foi recebida com muito amor pelos tios e primo. O avô chegou a Portugal no dia em que fazia 75 anos e nesse dia começou uma vida totalmente nova.
Mariia quer integrar-se aqui.
Mariia quer aprender o mais possível, a língua portuguesa, beber a nossa cultura, os nossos costumes. Ela quer fazer parte. Integrar-se. Sentir o chão seguro.
Mariia sonha e quer concretizar os seus sonhos. Aqui.
Com este exemplo de força e coragem, percebamos todos que o ser humano desconhece em absoluto os seus limites e pode ter uma capacidade ilimitada de sonhar.