A Maria

Cristina Santos Costa // Abril 26, 2017
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Eu não me lembro de quando comecei a gostar do colo desta mulher. A verdade é que eu não me lembro de mim nesse tempo mas trago tatuado cá dentro o colo redondo e macio, o ninho onde terei medrado uns centímetros.

Cresci a gostar da Maria e terão sido momentos tão intensos que ainda que curtos têm sido capazes de preencher uma vida inteira.

A Maria saiu lá de casa para se casar mas eu não me tenho memória disso. Contaram-me e eu sei que foi por isso que deixei de a ver por lá e foi morar para longe. Um longe que eu conhecia; um longe para onde me levavam com frequência e onde eu fui vivendo momentos felizes.

Quando eu desaparecia lá de casa toda a gente sabia onde me procurar; sentada nos balcões da casa da frente onde o granito tosco guardava o calor daqueles dias ensolarados. Lá dentro as tábuas do chão comidas pelo tempo deixavam cair na loja o resto do pão com manteiga que trazia de casa para comer ali.

A Maria tinha um cabelo escuro apanhado num carrapito que eu via fazer com desembaraço. e uma pele escura torrada pelo sol a que o amanho das terras obrigava. Gostava de ir com ela e ficar a ver a sabedoria daquelas mãos rijas e gretadas de sachola na mão a abrir regos na terra e a água a passar devagarinho para ir alimentar as couves, os feijões, as batatas … aquelas coisas que eu via na mesa dela, na janta … quando me deixavam lá ficar.

Foi a Maria quem me ensinou a fazer as “nenas”, umas bonecas feitas dos trapos que sobravam das poucas roupas que se faziam; podia não saber de geografia mas aquelas mãos inteligentes  conheciam mais instrumentos do que alguma vez eu podia imaginar: a agulha para os remendos, a tesoura para o que podia ser novo, a faca de “expurgar” batatas com ligeireza e competência, a sachola com que trabalhava a terra, a peneira com levantava ao vento as poeiras secas e separava o milho, os feijões …

A Maria envelheceu por dentro, por fora. Hoje as mãos dela perderam agilidade mas guardam nelas a mesma ternura com que me acariciava a cabeça.

A Maria continua naquela terra que eu chamo de longe … e tão perto de mim

 

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