A importância do Dia Mundial de Luta Contra o Cancro

João Mouta // Fevereiro 4, 2019
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Celebra-se hoje o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro. Assinalar este dia como sociedade é muito importante, por várias razões. Em primeiro lugar, trata-se de uma oportunidade para homenagearmos todos aqueles que faleceram com cancro, mas sobretudo todos os sobreviventes, e todos aqueles que, diariamente, convivem com o cancro, seja pessoalmente, seja através de familiares ou amigos afectados pela doença. Em segundo lugar, é uma oportunidade para falarmos abertamente sobre cancro e o seu impacto na nossa sociedade, nas nossas famílias, contribuindo assim para a mitigação de um estigma social que, infelizmente, ainda persiste.

Mas o que é afinal o Cancro?

Habitualmente falamos de cancro como sendo uma doença. Na realidade, o cancro é uma constelação de doenças muito diferentes entre si, mas que partilham algumas características comuns. O nosso organismo é, na verdade, um conjunto de células, que são os constituintes básicos dos nossos órgãos e sistemas de órgãos, e que, no seu conjunto, desempenham as funções necessárias à nossa sobrevivência. O cancro surge quando uma destas células normais do nosso organismo se transforma numa célula anormal, adquirindo a capacidade de se multiplicar de forma desordenada, invadindo os tecidos normais adjacentes, e adquirindo o potencial de se espalhar a órgãos distantes.

Esta transformação pode ocorrer sob a influência de agentes externos, como agentes químicos e físicos, mas pode também resultar de mutações genéticas que ocorrem de forma esporádica no processo normal de divisão celular, ou seja, como fruto do acaso. Em situações bastante raras (cerca de 5% de todos os cancros), a doença ocorre em pessoas que são portadoras de alterações genéticas hereditárias, com potencial para serem transmitidas de pais para filhos.

O impacto do cancro no Mundo e em Portugal

O cancro é, verdadeiramente, um problema de Saúde Pública. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) – Globocan, 2018 – estimam em mais de 17 milhões os novos casos anuais de cancro no Mundo e, em quase 9,5 milhões as mortes anuais por cancro no Mundo.

Estima-se que um em cada 5 homens e que uma em cada 6 mulheres venha a ter um diagnóstico de cancro ao longo da vida. O cancro do pulmão é o mais frequente (12,3% de todos os casos de cancro no Mundo), a par do cancro da mama (12,3%), seguidos de perto pelo cancro colorrectal (10,9%), pelo cancro da próstata (7,5%) e pelo cancro do estômago (4,9%). O cancro do pulmão é também o mais mortal (18,6% de todas as mortes por cancro o Mundo), seguido pelo cancro colorrectal (9,3%), cancro do estômago (8,2%) e cancro do fígado (8,2%).
Em Portugal, estima-se que sejam diagnosticados aproximadamente 58 mil novos casos de cancro todos os anos, e que quase 29 mil pessoas morram anualmente por cancro; aproximadamente 155.500 pessoas vivem no nosso país, a cada momento, com alguma forma de cancro.

No nosso país, o cancro colorrectal é o mais frequente (17,6% de todos os novos casos de cancro diagnosticados todos os anos), seguido pelo cancro da mama (12%) e pelo cancro da próstata (11,4%). Já relativamente à mortalidade é o cancro do pulmão o mais mortal (17,3% de todas as mortes por cancro no nosso país), seguido do cancro colorrectal (11,3%) e do cancro do estômago (8,4%).

Desde 1972, o cancro é a segunda causa de morte mais frequente em Portugal (Pordata, 2017), logo após as doenças cardiovasculares, devendo nos próximos 10 a 20 anos tornar-se na principal causa de morte no nosso país.

O cancro é uma doença predominantemente relacionada com o envelhecimento e com os estilos e hábitos de vida. O envelhecimento populacional que se projecta para as sociedades ocidentais, e os países desenvolvidos de uma forma geral, bem como a aquisição, por parte das populações dos países em desenvolvimento, de novos hábitos e estilos de vida (dieta ocidental, obesidade, sedentarismo, tabagismo, consumo de álcool), levarão a um brutal aumento da incidência (projectam-se 29,5 milhões de novos casos de cancro no Mundo em 2040) e da mortalidade do cancro no Mundo (16,5 milhões de mortes por cancro no Mundo em 2040). Estima-se que os custos directos e indirectos do cancro no Mundo, em 2030, atinjam o impressionante número de 458 mil milhões de dólares americanos. Torna-se, assim, fundamental que actuemos agora na abordagem deste problema.

Luta contra o cancro – Em que ponto estamos?

A Luta contra o cancro é possível, e está centrada nos momentos em que podemos ter influência no processo de desenvolvimento da doença ou no seu desfecho: a prevenção, o rastreio, o diagnóstico precoce, e o tratamento. A maioria dos sistemas de saúde, sobretudo nos países desenvolvidos, tem desenvolvido esforços no sentido de melhorar a abordagem destes vários momentos, sobretudo através do desenvolvimento e implementação de planos nacionais dedicados à doença oncológica.

De uma forma geral, e por via destes esforços, nas últimas décadas temos assistido a uma diminuição do contributo do cancro para a mortalidade por doenças não comunicáveis. Esta diminuição é relevante do ponto de vista da Saúde Pública, mas é fortemente contrariada pelo envelhecimento da população (sobretudo nos países desenvolvidos); pela escassez de sistemas de saúde organizados; impossibilidade ou dificuldade de acesso ao rastreio, diagnóstico precoce e tratamento; e pela aquisição de hábitos e estilos de vida típicos dos países desenvolvidos (sobretudo nos países em desenvolvimento).

Assim, e apesar da prioritização da Luta contra o cancro pela OMS, dos esforços e do investimento realizados, o cancro continua a ser uma das principais causas de morte no Mundo, suplantando, em muitos países, as doenças cardiovasculares.

Prevenção do cancro – O que está nas nossas mãos?

Entre um terço e um pouco mais de metade dos cancros são atribuíveis a causas modificáveis e, portanto, potencialmente preveníveis. O impacto potencial de medidas de Saúde Pública dirigidas à prevenção e tratamento de factores de risco conhecidos para a ocorrência de cancro é, assim, enorme.

Alguns destes factores de risco, como por exemplo, a existência de mutações genéticas hereditárias que predispõem o aparecimento de alguns cancros, não são modificáveis. Alguns casos de cancro, por outro lado, ocorrem de forma puramente esporádica, não se identificando nas pessoas afectadas qualquer factor de risco conhecido.

Mais de metade dos cancros, porém, são atribuíveis a factores de risco relacionados com:

  • Agentes físicos (radiação ultravioleta resultante da exposição solar, radiação ionizante resultante de acidentes nucleares ou exposição profissional);
  • Agentes químicos (tabaco, álcool, poluição ambiental);
  • Hábitos e estilos de vida (excesso de peso e obesidade, sedentarismo, dieta);
  • Agentes biológicos (alguns vírus, bactérias e parasitas).

Manter um peso normal ao longo da vida, evitar o consumo de tabaco e álcool, fazer uma dieta saudável, equilibrada e diversificada, manter actividade física regular, evitar a exposição solar excessiva, e cumprir as vacinas preventivas são medidas individuais que podem ajudar a prevenir mais de metade dos cancros. A implementação de programas de Saúde Pública que tenham em vista estas medidas preventivas, apesar do investimento público necessário, tem um enorme potencial para, a longo prazo, contribuir para uma melhor saúde da população, e poupanças nos custos directos e indirectos relacionados com o cancro.

A importância do rastreio e do diagnóstico precoce

Além da prevenção, também os programas de rastreio têm um enorme potencial para diminuir a mortalidade e, em alguns casos, a incidência de alguns cancros. Os programas de rastreio são por natureza organizados por iniciativa dos serviços de saúde, e dedicados ao diagnóstico precoce de lesões pré-malignas ou malignas, permitindo frequentemente tratamentos menos agressivos e com maior probabilidade de sucesso.

Nem todos os cancros devem ser rastreados; para que um programa de rastreio faça sentido, os cancros devem ser frequentes, terem elevada taxa de mortalidade ou morbilidade, uma história natural bem conhecida, e serem susceptíveis de tratamento com elevada probabilidade de cura. Os programas de rastreio do cancro da mama e do cancro do colo do útero nas mulheres, ou do cancro colorrectal na população em geral, são exemplos de programas de rastreio que demonstraram, em vários estudos, contribuir para a diminuição da mortalidade por estas doenças.

À semelhança do rastreio, também o diagnóstico precoce tem potencial para contribuir para a diminuição da mortalidade, da morbilidade e dos custos directos e indirectos associados ao cancro. É fundamental a implementação de programas de educação para a saúde, que possibilitem às pessoas serem parte activa, de forma informada, sensata e eficaz, na vigilância da sua própria saúde, detectando precocemente sintomas potencialmente importantes, e procurando cuidados de saúde adequados atempadamente.

Tratamento do cancro – Temos feito avanços?

O tratamento do cancro tem conhecido, nas últimas duas décadas, avanços assinaláveis. Anteriormente praticamente uma sentença de morte (ainda para mais antecipada, dado o enorme estigma que existia e levava os doentes oncológicos a viverem escondidos da sociedade, e a receberem tratamentos, quando disponíveis, em hospitais diferentes dos outros doentes), hoje é uma doença curável em mais de metade dos casos.

Para esta melhoria dos resultados têm contribuído, certamente, alguns avanços na prevenção (melhores conhecimentos sobre alguns factores de risco), os programas de rastreio, e o diagnóstico precoce (baseado em melhor educação para a saúde), que têm contribuído para a detecção de cancros em estádios mais precoces, em que podem ser tratados de forma mais eficaz e, frequentemente também, menos agressiva.

Também a maioria das modalidades de tratamento do cancro têm evoluído exponencialmente:

  • a cirurgia é cada vez mais eficaz, mais segura e menos invasiva, com o advento da laparoscopia e da cirurgia robótica;
  • a radioterapia, nas suas várias modalidades modernas, é cada vez mais eficaz contra a doença, e cada vez mais dirigida, poupando toxicidade aos tecidos saudáveis;
  • a quimioterapia é cada vez usada de forma mais informada, procurando-se um balanço entre os seus benefícios e os seus riscos e toxicidades, e assim uma melhor selecção dos doentes que dela podem beneficiar.

Um cada vez melhor conhecimento da biologia e dos mecanismos do cancro, liderado pelas universidades, grupos cooperativos e pela indústria farmacêutica, tem permitido o desenvolvimento de tratamentos dirigidos, cada vez mais eficazes, e com formas de administração mais convenientes para os doentes e os hospitais. Em alguns casos vieram revolucionar o tratamento de alguns cancros, e modificar completamente a sua história natural.

Uma mensagem final

O cancro é um problema de Saúde Pública, mas também um problema social que nos afecta a todos, seja directa, seja indirectamente, através dos nossos familiares, amigos, ou colegas de trabalho. Se pensarmos no peso crescente que vai ter para a nossa sociedade (não só social, mas também económico), torna-se urgente que façamos o que está ao nosso alcance para inverter o actual estado das coisas.

Para uma bem sucedida luta contra o cancro são fundamentais os programas públicos de educação, sensibilização, rastreio e diagnóstico precoce, mas também que cada um de nós faça a sua parte na prevenção, adoptando hábitos e estilos de vida saudáveis, e evitando exposições prejudiciais.

É também fundamental o investimento público e privado na inovação terapêutica, para que as mais modernas e eficazes modalidades terapêuticas existentes possam chegar aos doentes que delas necessitam.

Temos que saber mais sobre cancro. Não podemos ter medo de falar de cancro. Como sociedade, temos que colocar o cancro na agenda pública. Exigir às entidades financiadoras, públicas e privadas, que disponibilizem os recursos necessários para o diagnóstico e tratamento do cancro, e para o apoio e acompanhamento aos sobreviventes. É esta a importância de um dia como o 4 de Fevereiro, Dia Mundial de Luta Contra o Cancro.

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