Recentemente numa consulta alguém me dizia que estava muito feliz porque tinha-se interessado por uma pessoa que a tratava muito bem, respondia às SMS, cumpria aquilo que tinha sido combinado, trabalhava. Corria tudo tão bem que a deixava feliz. Perguntei-lhe como era a sensação de felicidade, de se sentir bem, uma vez que essa sensação muda de pessoa para pessoa.
– “É bom, mas estou com medo de estar enganada e …” – respondeu-me.
– “É bom como?” – Interrompi de imediato.
– “Então é bom, só isso e estou com medo…”
– “Diga-me mais sobre esse bom: é bom tranquilo, é com paz, é bom espaço para respirar, é bom suave, é bom com energia, é bom com entusiasmo. É bom como?” – Interrompi novamente sem cerimónias.
– “Ai, lá vem a terapeuta com essas perguntas estranhas.” – E riu-se abanando a cabeça.
“Emoções agradáveis, o que são?”
Dediquei tempo na minha formação a aprender a subtil arte da interrupção do discurso nas consultas, por várias razões, uma delas para acentuar os momentos em que as pessoas estão a relatar um acontecimento que revela bem-estar. A maioria das vezes não se dedicam a sentir a sensação, desperdiçando energia preciosa que mais tarde procuram em situações que oferecem prazer imediato sem, no entanto, conseguir que o bem-estar permaneça. A diferença entre estes dois conceitos pode ser consultada aqui.
Assim, quando peço para sentir a sensação de bom, tranquilo, orgulho, alegria, vejo que é a primeira vez que algumas pessoas estão a dar atenção ao que se passa no seu corpo pelo lado das emoções agradáveis.
As emoções desagradáveis são mais comuns e mais exploradas no nosso quotidiano do que as agradáveis e é muito importante repor esse equilíbrio para aprendermos a autorregulação, tão necessária no nosso dia a dia.
A Neurociência Afetiva
Jaak Panksepp, professor na Washington State University, que ajudou a criar o novo campo da neurociência afetiva ao longo do século XX, “desenhou” um mapa onde identificou sete sistemas emocionais centrais do nosso cérebro: busca, raiva, medo, desejo, cuidado, tristeza e brincadeira. Ao longo de milhões de anos, esses afetos ou sentimentos guiaram mamíferos para localizar comida, lutar com inimigos, evitar predadores, reproduzir-se, cuidar da descendência, dotar os mais novos da capacidade de se aproximarem dos cuidadores e envolverem-se com os outros.
Imagine estes sistemas emocionais primários como o paralelo aos 5 gostos básicos do paladar: doce, amargo, salgado, azedo e umami. Embora à nascença não saibamos diferenciar o salgado do bacalhau do doce da mousse de chocolate, sabemos que são distintos e satisfazem necessidades diferentes. Conforme a nossa cultura e o nosso desenvolvimento, aprendemos a distinguir a diversidade de doces e salgados. O mesmo sucede com a nossa aprendizagem emocional, sendo que só aprenderemos a distinguir a diversidade das sensações agradáveis se consagrarmos tempo e atenção para as sentir e integrar no quotidiano.
Como sentir as sensações agradáveis?
Há três coisas fundamentais neste processo: tempo, corpo e tomada de consciência.
- Tempo: as emoções agradáveis levam mais tempo para serem sentidas dado serem mais difusas. As emoções desagradáveis são rápidas porque entre o perigo e a ação necessária para nos protegermos, a rapidez é fundamental: fugir (medo), atacar (raiva), cuspir (nojo), recolhimento (tristeza), pedem prontidão na resposta. As emoções agradáveis, como a contemplação, satisfação, orgulho, alegria, entusiasmo, pedem tempo. É importante abrandar o nosso ritmo, parar o fluxo do pensamento e das palavras e dirigir a atenção para o que está a passar-se no nosso corpo;
- Corpo: o palco onde ocorrem as emoções, reage aos estímulos internos e externos e diz-nos se estamos num sítio agradável, onde queremos permanecer, ou desagradável, de onde queremos sair. Só o corpo pode sinalizar em que estado nos encontramos, mas precisa de tempo para explicitar o que lhe está a acontecer. As sensações corporais são como SMS e e-mails que o corpo envia à consciência: temos de abrir essas mensagens para sabermos o que se passa;
- Tomada de Consciência: quando damos atenção ao que está a acontecer no momento presente, no local onde estamos, o “aqui-e-agora”, começamos a registar a informação no cérebro. A investigação refere que são precisos 30 segundos para que uma nova ligação sináptica surja e esse novo dado passe da memória a curto prazo para a de longo prazo. Dessa forma, conseguimos aumentar o nosso reportório de comportamentos.
Regressemos à sessão de terapia que foi inteiramente dedicada a sentir as sensações de se ser bem tratado numa relação que principia:
– “Sinto tranquilidade nesse bom, parece que o peito acalma, os ombros baixam, respiro melhor [acompanha com uma respiração profunda]… tenho vontade de sorrir… há uma sensação de paz… estou leve.”
– “Podemos ficar um pouco nessa sensação de leveza? Vou contar 30 segundos no relógio, se quiser pode fechar os olhos, e sinta só a sensação que acabou de descrever… deixe-se absorver por isso… estou aqui à sua espera.”
Uma sensação que se estranha e depois entranha
Passados 30 segundos (ou mais), as pessoas relatam uma expansão, uma sensação estranha, algo novo… e esta sensação que se estranha e depois entranha permanece no corpo. Mesmo quando as condições internas e externas mudam, já não se pode des-sentir… e passamos a conseguir identificar melhor os momentos de bem-estar, tornando-se mais fácil alimentar as sensações agradáveis, que funcionam como amortecedores em momentos de stress.
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.”
Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa), in “Poemas”