Li, há alguns anos, o livro “A arte da Guerra” depois de vários gestores e advogados terem falado do mesmo nas minhas sessões. Aprendi imenso sobre história, planificação, gestão de pessoas, entre outros detalhes. Decorei uma ideia que uso muitas vezes nas consultas e passo a citar de memória: “Nunca confies num general sem medo. Vai agir sem consciência do perigo e fazer-te perder homens e material de guerra sem ganhos no terreno”. Uso esta frase para validar a pessoa que sente medo.
Qual o papel do medo?
O medo aciona um mecanismo de alerta, a nossa atenção fica concentrada no inimigo e prepara o nosso corpo com doses de energia extra para fugirmos ou lutarmos. E, tal como outras emoções básicas, o medo pode ser desagradável, mas é positivo, guardião da nossa sobrevivência e uma bússola para o comportamento adequado num dado contexto.
Estamos a viver num contexto de perigo, alerta máximo, em que a nossa sobrevivência e a dos nossos entes queridos está ameaçada. Assim, o medo que possamos sentir é natural, saudável e até desejável para nos salvaguardarmos.
Aquilo que temos de ter em atenção é não deixar que este tome conta de nós, transformando-se em pânico e bloqueando a nossa ação. Pior do que bloquear a ação é constituir uma sobrecarga para o nosso sistema imunitário, tornando-nos frágeis a agressões externas. Como um botão de volume, tem de ser regulado para níveis funcionais. Como baixar esse volume de medo?
Como controlar o medo?
Técnicas de relaxamento e exercício físico são as melhores formas de baixar a intensidade de ativação da emoção.
Exercício de relaxamento:
Os 4 elementos – Terra – Ar – Água – Fogo – são uma forma rápida de nos lembrar a sua a aplicação mesmo em momentos de grande agitação física e de catástrofe.
- Terra: ponha os pés no chão e tome consciência do local onde está. Agarre uma caneta, sinta a textura do sofá onde está sentado. A seguir, conte três objetos à sua volta (ex: “uma cadeira, uma garrafa de água, um telemóvel”). Isto permite-lhe sair da espiral de pensamentos perturbadores e redirecionar a sua atenção para o “aqui e agora”;
- Ar: respire fundo, pausadamente (conte 1-2-3-4 enquanto inspira; 1-2-3-4, retenha o ar; 1-2-3-4 expire; 1-2-3-4 suspenda a respiração), usando o diafragma. Chama-se a respiração quadrada;
- Água: beba água ou salive de forma a ajudar o nosso “travão” biológico a recuperar a estabilidade física. Recorde-se que quando ficamos nervosos a boca fica seca;
- Fogo: “incendiar” a imaginação – procure uma imagem de um local agradável, uma situação em que se tenha sentido competente ou um pensamento focado nos seus recursos internos: “eu consigo, eu sou capaz de lidar com o que me rodeia”.
Exercício de físico:
O exercício físico terá de ser adaptado às condições, mas uns abdominais, agachamentos e algumas posições de ioga são praticáveis dentro de casa.
Há muitas sugestões a circular pelas redes sociais para praticar atividade física mesmo em quarentena.
Ser ou não ser informada/o, eis a questão
O fluxo de informação é avassalador: redes sociais, televisões, rádio, imprensa. Para além do volume de informação temos outro problema: a fonte é fidedigna?
Consulte sites oficiais para ter acesso a informação credível, e limite o tempo e o número de vezes que acede a essa informação. Tal como nos é sugerido quando vamos de férias: consultar o mail do trabalho uma ou duas vezes por dia. Aqui também é importante este autocontrolo para que o medo não evolua para pânico – baixe o volume.
Os sites que sugiro:
- Ordem dos Psicólogos: onde são apresentadas muitas sugestões para combater o medo e a ansiedade, com recurso a vídeos e infografias de como lidar com crianças, família, informação falsa, cidadania entre outros;
- As comunicações oficiais passam por aqui e por aqui;
- Um jornal de referência online no qual confie.
Rir é mesmo um bom remédio, segundo a ciência
Uma boa gargalhada ajuda muito a aliviar a tensão interna. Um dos aspetos que mais quero salientar é a quantidade e (boa) qualidade de memes humorísticos que recentemente têm circulado nas redes sociais sobre o coronavírus. É uma excelente forma de lidar com stress e ansiedade, lembrando um fenómeno recorrente em velórios, onde a partir de certa altura se contam anedotas. Aliás, para que se produzam conteúdos humorísticos, o sistema nervoso autónomo precisa de conjugar dois aspetos do seu funcionamento: estarmos calmos/focados e com acesso a todas as nossas capacidades cognitivas. Saber que há tantas pessoas a dedicarem o seu tempo na conceptualização e produção destas tiradas humorísticas enche-me de esperança na sociedade.
As pessoas estão atentas, despertas, fortes e bem-dispostas, mesmo perante o perigo. Lembra-me a definição de coragem que apreendi no livro a “Arte da Guerra”, que, mais uma vez, cito de memória: “O general consciente sente medo e só avança após calcular os perigos, salvaguardando soldados, material de guerra e posições no terreno”. Aliás, esta pode ser uma ótima leitura ou audição para tempos de quarentena.
Em suma, valide o seu medo, canalize-o de forma útil e mantenha-o com rédea curta.