A chegada em força do COVID-19 a Portugal impactou a maior parte dos portugueses. Da preocupação moderada com um vírus que veio de longe, passámos para a implementação de medidas que há algumas semanas pareciam impossíveis e há cada vez mais relatos de quem dorme mal e/ou vive com medo de ser infetado(a). Paralelamente, muitos portugueses já estão de quarentena e é preciso que reflitamos sobre o impacto provocado por este isolamento. Que escolhas podemos fazer para garantir a nossa estabilidade emocional em tempos de COVID-19?
Se há algumas semanas a maior parte das pessoas brincava com o novo Coronavírus, numa mistura de despreocupação e descrença de que pudesse afetar-nos, de um dia para o outro – numa combinação do aumento exponencial de casos e do anúncio de pandemia -, muitos portugueses viram os seus níveis de ansiedade subirem de forma vertiginosa.
Que impacto tem o COVID-19 na nossa saúde mental?
A tomada de consciência da facilidade de propagação deste vírus e o reconhecimento da possibilidade de escassez de recursos (médicos, sobretudo) deixou muitos portugueses sem dormir nas últimas noites. Sim, o medo intenso passou a fazer parte da nossa vida. Mas, isso está longe de significar que estejamos todos vulneráveis ao desenvolvimento de perturbações ansiosas ou depressivas. Pelo contrário, o medo também pode ser nosso aliado, pelo menos na medida em que nos impeça de correr riscos desnecessários e nos leve a tomar medidas que nos permitam enfrentar esta crise com a seriedade que ela exige.
Claro que há pessoas que, independentemente da chegada do COVID-19, já apresentavam sinais de instabilidade e/ou já tinham um quadro depressivo ou ansioso diagnosticado e para quem pode ser mais desafiante lidar com todos os pensamentos intrusivos que possam surgir. Nestes casos, e sempre que uma pessoa reconheça que os seus níveis de ansiedade o(a) impedem de realizar as suas atividades do dia-a-dia, é importante pedir (ou manter) ajuda especializada. Para quem já é acompanhado, é importante partilhar eventuais alterações com os profissionais que já conhece. Para quem nunca pediu este tipo de ajuda, é importante lembrar que muitas consultas podem ser realizadas por telefone ou por videoconferência. O importante é que todos saibamos que ninguém tem de gerir o medo sozinho.
O que podemos fazer para lidar com as emoções provocadas pelo COVID-19?
1. Falar abertamente sobre as emoções
Independentemente do desenvolvimento de qualquer psicopatologia, é expectável que nos sintamos mais tristes, mais irritados, mais confusos e mais ansiosos. Aceitar que estas emoções surjam é um passo importante para que as possamos gerir, em vez de sermos engolidos por elas. De resto, quando falamos abertamente sobre os nossos medos, damos origem a uma organização mental que nos ajuda a serenar. Pelo contrário, quando fingimos ser mais fortes do que realmente somos, quando tememos ser vistos como inferiores, acabamos por sucumbir mais rapidamente aos elevados níveis de ansiedade.
2. Aceder a informação fidedigna
Vivemos na Era da informação e temos o privilégio de poder aceder a informação rigorosa, baseada no conhecimento científico. Infelizmente, também somos bombardeados com demasiadas fake news, que, neste caso, nos confundem e contribuem para a elevação dos níveis de ansiedade. Por exemplo, há dois dias, circulou a informação de que teria ocorrido a primeira morte por COVID-19 em Portugal.O boato foi propagado pelas redes sociais e por alguns meios de comunicação social. É importante que nos lembremos de que as redes sociais somos nós. Se não temos a certeza de que uma notícia é verdadeira, devemos escolher não a divulgar – nem sequer por SMS ou Whatsapp. Mas, há mais: também podemos limitar a nossa exposição às redes sociais que, neste momento, estão recheadas de informação falsa. Entre notícias não confirmadas por fontes oficiais, aos vendedores de soluções milagrosas, há muita coisa que pode contribuir para que nos sintamos (ainda) mais agitados e inseguros.
Mesmo em relação às notícias divulgadas pela Direção Geral de Saúde (DGS) e/ou por jornais de referência, é importante que sejamos capazes de dosear o acesso à informação. É tentador passar a maior parte do tempo a atualizar páginas de Internet que nos oferecem informação “ao minuto”, mas, se observarmos com atenção, verificamos que este comportamento não só não acrescenta qualquer segurança real, como pode contribuir para que nos sintamos mais ansiosos.
Sim, é importante que nos mantenhamos informados, mas é igualmente importante que nos distraiamos do assunto várias vezes por dia.
3. Respeitar as diretrizes partilhadas pelas autoridades
É difícil confiar em alguém de fora quando o problema se assemelha a um daqueles monstros que só aparecem nos filmes de ficção científica e que anunciam crises apocalípticas. Todos nos comovemos e assustámos com a situação vivida em Itália, mas isso não é motivo para que deixemos de confiar nas nossas autoridades. Se experimentarmos olhar para os exemplos em que o problema tem sido controlado – como Macau ou a própria China, que apresenta uma clara desaceleração da propagação do vírus -, constatamos que o cumprimento das normas e a confiança nas diretrizes partilhadas pelas autoridades foi essencial.
Se nos mantivermos atentos e escolhermos cooperar, fazendo a nossa parte, não só nos sentiremos mais seguros de que estamos a fazer alguma coisa para lidar com o problema, como observaremos mudanças positivas reais à nossa volta.
4. Reconhecer que esta crise vai passar
Estamos a lidar com uma realidade que é nova para todos, mas que vai passar. É verdade que, independentemente do tempo que leve até que surja uma vacina ou um medicamento capaz de curar a doença provocada por este vírus, vamos continuar a receber notícias de mais pessoas infetadas. Mas, podemos e devemos olhar para o que está a acontecer na China, o país onde tudo começou, e constatar que, apesar de também lá continuar a haver casos novos de infecção, o problema está claramente contido.
Podemos e devemos procurar viver um dia de cada vez, reconhecendo que é difícil viver na incerteza, mas lembrando-nos de que tudo isto vai efetivamente passar.
5. Cumprir a quarentena, se houver alguma suspeita e/ou for imposta
No momento em que escrevo este texto, a maior parte dos portugueses não estão de quarentena, mas há alguns milhares de pessoas nessa situação. É compreensível que algumas pessoas se sintam mais agitadas e inseguras com esta medida. Por um lado, é sempre difícil lidar com a incerteza associada a uma situação de saúde. Por outro lado, há consequências sociais, familiares, profissionais e financeiras associadas a este isolamento. Nesse sentido, algumas pessoas têm optado por desrespeitar a quarentena, mantendo-se em contacto com outras pessoas e até frequentando lugares públicos. Algumas buscarão o conforto e a distração que só o contacto social oferece. Outras simplesmente desvalorizam o problema.
É fundamental que nos lembremos de que, independentemente da forma como a doença nos possa afetar, o simples facto de sermos portadores do vírus – mesmo que sem sintomas – nos coloca na posição de potenciais contaminadores. E, se contaminarmos outras pessoas, sejam elas quem forem, aumentamos (e muito!) a probabilidade de haver pessoas mais vulneráveis e de quem gostamos que possam ser afetadas.
Um jovem de 20 anos a quem seja imposta a quarentena pode escolher ir ao café, ao centro comercial ou à praia e jurar a pés juntos que se preocupa com a avó que tem 80 anos, mas que sabe que está sossegada em casa. Ou com a prima, que tem cancro, e que tem levado uma vida ainda mais resguardada. Mas, esquece-se de que as pessoas com quem se cruza nos locais públicos são cidadãos como nós, que trabalham e que circulam por todo o tipo de meios. Elas também vão ao supermercado e à farmácia. Compram pão, abastecem o carro e cuidam de outras pessoas. As cadeias de transmissão são infindáveis e o problema pode chegar rapidamente à avó ou à prima.
Desrespeitar a quarentena pode ser um sinal de medo exacerbado, desinformação ou negligência. Mas, é, acima de tudo, uma falha de caráter que pode colocar-nos a todos numa posição muito difícil.
Quem escolhe cumprir à risca aquilo que é proposto pelas autoridades está a cuidar de si e dos outros. Está, por exemplo, a garantir uma probabilidade muito mais elevada de receber os cuidados mais apropriados em caso de doença. É que se todos ficarmos doentes ao mesmo tempo, a probabilidade de não haver recursos para todos é enorme. Mas, se cada um fizer a sua parte, mais rapidamente sairemos desta crise (com vida).
6. Viver um dia de cada vez
É evidentemente difícil lidar com o facto de não sabermos quando é que esta crise acabará. Há muitos planos que simplesmente deixamos de poder fazer, há muitas decisões que não podem ser tomadas. Há férias marcadas que não sabemos se se vão realizar. Há férias por marcar. Há casamentos e batizados que não sabemos se vão acontecer. Há pessoas de quem gostamos que não saberemos quando poderemos visitar. Há escolas que fecham e pais e mães que não sabem como vão responder à possibilidade de terem as crianças em casa. Há muitas pessoas que não sabem se vão conseguir manter o emprego.
Algumas situações são mais aflitivas do que outras e a sugestão de viver um dia de cada vez não implica a desvalorização de problemas sérios. Implica, isso sim, a hierarquização das dificuldades e das necessidades. Não há saúde mental se não houver vida. Mais do que querermos resolver todos os problemas ao mesmo tempo, é importante que enfrentemos uma questão de cada vez. E em primeiro lugar tem de vir a nossa sobrevivência física. Cumprirmos as diretrizes das autoridades de saúde – mesmo que isso implique que percamos muito dinheiro ou o emprego – é a única forma de cuidarmos da nossa vida. Se o fizermos com rigor, mais rapidamente nos livraremos desta epidemia e poderemos enfrentar todas as outras dificuldades.
7. Manter as rotinas (possíveis)
Mesmo que tenhamos de trabalhar a partir de casa ou, no limite, o país tenha de estar todo em quarentena, há escolhas que podemos fazer para manter algumas rotinas e, assim, promovermos a nossa saúde mental. Fazermos a nossa higiene, vestirmo-nos como habitualmente (em vez de ficarmos de pijama todo o dia), cumprir o horário das refeições e deitarmo-nos à hora de sempre são escolhas que nos ajudam a manter a sensação de normalidade – e a oferecer também essa sensação aos nossos filhos.
8. Puxar pela criatividade e manter a atividade
Se tivermos de passar muito tempo em casa, e sobretudo se esse tempo estiver associado à suspeição de infeção, é legítimo que nos sintamos mais instáveis. Mas, compete-nos fazer aquilo que estiver ao nosso alcance para ocupar a mente e colocar o corpo em movimento.
Há muita coisa para fazer dentro de casa. Arrumar gavetas e armários pode ser mais do que uma necessidade – pode ser terapêutico para a cabeça. Descarregar exercícios da Internet que as crianças possam fazer em horas específicas do dia ajudá-lo(a)-á a manter-se ocupado(a) e útil. Concretizar atividades de bricolage pode não ser a sua praia, mas pode revelar-se profundamente calmante. Puxe pela sua criatividade e permita que a resiliência substitua a apatia.
Por outro lado, contrarie qualquer vontade de se enrolar sobre si mesmo(a) no sofá ou na cama durante o tempo que tiver de ficar em casa. Mexa-se – pela sua saúde física e mental. Se for viável ir até ao jardim (e não estiver de quarentena), exercite-se lá fora. Se tiver mesmo de estar em casa, descarregue alguns exercícios da Internet. Faça Yoga, Dança e/ou Fitness. Aproveite para experimentar aquelas aulas para iniciantes que estão disponíveis em plataformas como o Youtube.
9. Manter o contacto com a família e com os amigos
Pode parecer um contrassenso, mas é precisamente nos momentos em que somos forçados a alguma forma de isolamento que é essencial que façamos aquilo que estiver ao nosso alcance para socializar. Se tiver de ficar em quarentena, utilize o seu telemóvel para fazer aquilo que ele faz melhor: colocá-lo(a) em contacto com as pessoas de quem gosta. Faça videochamadas, desabafe, fale sobre outros assuntos, ria, descontraia.
Lembre-se também de fazer a sua parte em relação às pessoas que estiverem numa situação de isolamento forçado. Se um familiar e/ou um amigo estiver de quarentena, é provável que, além de tudo o resto, se sinta triste, vulnerável e discriminado(a). Há uma sensação de vergonha associada ao facto de ser posto(a) de lado, mesmo que por circunstâncias como esta. Procure telefonar a esta pessoa, animando-a e incentivando-a a manter alguma normalidade.
Faça o mesmo com os idosos que, nesta fase, estão ainda mais isolados. Escolher telefonar diariamente a alguém que sabe que pode estar assustado(a) por fazer parte de um grupo de risco e que, por isso mesmo, não pode/deve receber a visita das pessoas de quem gosta, pode fazer toda a diferença.
Fazermos algo pelos outros também nos ajuda a lidar com o stress.
10. Ajudar as crianças
A ansiedade dos adultos não só condiciona a estabilidade emocional dos filhos, como é condicionada pelo medo de não conseguir oferecer todas as respostas de que as crianças precisam. Enquanto pais e mães podemos escolher ser claros e honestos com os nossos filhos, adaptando naturalmente a linguagem à idade de cada um. Não adianta mentir e dizer que este não é um problema sério. As crianças são mais sensíveis à linguagem não-verbal do que às palavras que saem da nossa boca. Apercebem-se da nossa tensão e sentir-se-ão mais seguras na medida em que o nosso discurso seja congruente com o estado emocional que lhes transmitimos. Por outro lado, é essencial que limitemos o acesso às notícias. Não há qualquer vantagem em expor as crianças às atualizações “ao minuto” ou à análise minuciosa dos números. Esses são assuntos difíceis de gerir pelos adultos, imagine-se para as crianças.
A alteração das rotinas pode condicionar o humor das crianças, tal como acontece com os adultos. O nosso stress e o stress dos nossos filhos diminui na medida em que aceitemos as suas emoções. Sim, as crianças podem fazer mais birras em consequência da ansiedade que sintam em relação a este assunto, mas também em função da alteração das rotinas. A função dos pais não é permitir tudo, mas a dinâmica familiar melhorará na medida em que os adultos aceitem que pode levar algum tempo até que as crianças se adaptem a esta nova realidade.
Manter uma postura otimista, centrada nas soluções ajudará a devolver a confiança aos filhos. É importante reconhecer que é duro para todos estar longe dos amigos, dos colegas e dos lugares de diversão, sobretudo porque se trata de um período com duração indeterminada, mas o esforço de cada um pode revelar-se muito compensador.